De: Rui Valente - "A obra de referência"

Submetido por taf em Sexta, 2006-06-09 18:54

Caros participantes,

Há aqui qualquer coisa que me escapa ou que ainda não me foi convincentemente explicada.

Quando, praticamente isolado, propus e tentei entusiasmar-vos para a organização de um forte movimento contestário como forma de defesa dos interesses da cidade do Porto, à excepção de algumas pessoas, não consegui obter uma reacção favorável à minha proposta de forma assumida e corajosa.

Entretanto, fui acusado de revolucionário, de choramingas, fadista e (imaginem), responsável pelo marasmo da nossa cidade! Pela minha parte, nunca rejeitei outras soluções para a saída da crise, mas sempre me pareceu errado pensar que o problema do Porto se limitava a questões de carácter meramente económico ou da falta de espírito empreendedor. Apresentei muitos exemplos. Falei nos empresários mais conhecidos e poderosos da região e chamei a atenção para o facto de, apesar do seu sucesso pessoal e dos múltiplos investimentos realizados pelo país, todos eles desprezaram um sector fundamental para a nossa região: o da comunicação social, nomeadamente a Televisão, tendo-o contudo feito em Lisboa, onde o negócio está mais do que saturado. Os empresários, como é natural, preocupam-se em primeiro lugar com o lucro e não se lhes pode exigir que o façam com simetria e justiça, porque não é essa a sua missão.

O blogue "A Baixa do Porto", tem como tema base o debate livre sobre os problemas do Porto e suponho que também a procura das melhores soluções para influenciar a sua resolução. A juntar a isto, procura igualmente inibir a efectivação de obras e eventos que possam vir a prejudicar a cidade.

O facto de eu ter frequentemente posto em causa a força interventiva deste blogue gerou (e gera ainda) alguma "resistência" e provavelmente alguma antipatia pelas minhas posições desalinhadas. Este último aspecto é o que menos me preocupa, mas o mesmo já não posso dizer da questão da "resistência". Afinal, o que será concretamente que provoca tal "resistência"? Tratar-se-á de um vulgar paradoxo?

Quando leio aqui, manifestos absolutamente desenquadrados do status quo, críticos e quase exasperantes, nomeadamante da parte de alguns jovens arquitectos, pergunto-me se não estarão também eles a "chorar" por alguma coisa. É a autarquia, é o IPPAR, são as autoridades fiscais, todos eles (e com toda a pertinência) já foram acusados das mais variadas asneiras! Ora, isto, em si mesmo, basta-me para continuar a reforçar a minha postura crítica e as minhas posições iniciais. Não devo ser eu quem anda enganado.

Houve artigos contra as obras da Baixa? Houve acções em tribunal? Houve blogues temáticos?

Resposta: houve! E daí? Quem levou a melhor? Quem de novo contornou a lei e fez vingar o projecto agora concluído, contra tudo e contra (quase...) todos?

Resposta: o poder local (neste caso a Câmara do Porto).

A Avenida dos Aliados aí está, pronta sem o mínimo respeito pela opinião do cidadão. Com o tempo, as pessoas acabarão por conformar-se. Não serão as árvores que daqui a uns anos já frondosas irão remediar o irremediável. Poderão suavizar o impacto cinzento e industrial do granito, mas a Avenida nada terá ganho em beleza e harmonia em realção à anterior. Aquela fonte em escada parece uma piscina de hotel de 3 estrelas. Os materias envolventes são do mais pobre e rudimentar que há. Não têm nobreza, são cubos de pedra! Mas o povo, com o tempo, há-de habituar-se. Gente, também não faltará. Mas não pelas razões que o Dr. Rui Rio nos quer impingir. A Baixa será mais frequentada, como serão todas as zonas por onde o Metro agora passa, porque o Metro provoca o fenómeno. Só isso.

Não acrescentarei mais nada ao que já me vou cansando de afirmar, a não ser esta citação: "é uma tristeza muito grande e um enorme desalento por verificar que não houve nesta cidade uma veemente acção de rejeição àquele projecto. Parece-me que é um verdadeiro cataclismo urbano transformar a Av.dos Aliados numa praça inóspita. O que encontramos ali, pretensamente referendado por uma noção de modernidade, é a modernidade mais impessoal que grassa por essa Europa. A modernidade massificada, com falta de alma. Sinto naquela praça uma total ausência de afectos".

O autor deste pequeno texto saído no "Público" de quinta-feira é o escritor Mário Cláudio. Pode, como eu, não entender nada de arquitectura, mas é figura tão ou mais prestigiante do que o Arq. Siza Vieira.

Rui Valente