De: JA Rio Fernandes - "Três erres"

Submetido por taf em Segunda, 2006-10-09 20:12

Entre reabilitar, renovar ou tudo querer restaurar, impõe-se encontrar um equilíbrio, marcado por algum bom-senso que só é possível com a humildade de todos (em especial de autarcas e criadores) e com abertura à crítica e à participação (sem autismos políticos, nem estrelatos extraterrestes de criativos, mas também sem lógicas de referendo ou de quem berra mais ganha).

A ideia que tenho é que, no fundamental, importa introduzir no urbanismo os princípios dos três erres.

Reduzir, no urbanismo, deve implicar responder à necessidade e interesse colectivo em reduzir a mancha urbanizada ou, pelo menos, em se ser muito mais selectivo no seu aumento, reduzindo a taxa de crescimento do urbano, em especial sobre espaços cujo valor é superior ao urbanizado, visto não apenas como legado, mas também como factor de qualidade de vida da actualidade.

Reciclar, implica admitir sem complexos que é indispensável que algum do urbanizado (construções, arruamentos, espaço livres) possa ser refeito, desaparecendo para dar lugar à contemporaneidade, até porque a cidade sempre foi feita de muitas épocas e o nosso tempo também deverá estar presente na cidade que deixamos a outras gerações: para o bem, como junto à Alfândega ou na Casa da Música, e para o mal, como na Cordoaria ou na Avenida dos Aliados (a apreciação será sempre subjectiva, esta é a minha e levava muitas páginas a explicar tudo porque acho as primeiras favoráveis e as segundas criminosas para a memória de outros tempos que a cidade deveria transportar no seu futuro).

Reutilizar será o mais interessante e o mais desafiador, sobretudo se quisermos ir além do simples restauro, mas reutilizar será também o mais difícil e cheio de riscos, seja porque penaliza proprietários, seja porque “turistificando” e “elitizando” lugares pode implicar a perda do espírito do lugar, transformando-se em meros espaços cujo valor deixa de estar associado à forma como são vividos e quase apenas ao granito ou colorido das fachadas.

Estes três erres deveriam ser pensados na metrópole (Porto, Matosinhos, Maia, Valongo, Gondomar e Vila Nova de Gaia), mas isso não implica que, na lamentável ausência dessa coordenação, Porto e Gaia cada um por si e um com o outro não se entendam no espaço ribeirinho e nas estratégias de reabilitação (com reciclagem e reutilização, sem esquecer outros re’s tão ou mais importantes, como a regeneração social e a revitalização económica). Mas será que ambos conhecem e discutiram entre si e com as pessoas os tão em voga “masterplans”, apontados como salvadores da pátria (leia-se centros históricos)?

Da mesma forma, não posso deixar de aproveitar para lembrar que admitir que o município do Porto é apenas uma parte de uma realidade urbana alargada a outros municípios, não pode fazer esquecer as responsabilidades de uns e as preocupações de muitos mais, em ver esta importante parte da metrópole a que chamamos cidade do Porto a afundar-se num progressivo despovoamento e envelhecimento e numa evidente perda de competitividade (seja lá que indicadores se considere…). É de mim, ou o Porto parece-se cada vez menos na sua dinâmica com Madrid, Barcelona, Valência e outras cidades de além-fronteiras e, pelo contrário, qual Coimbra ou Salamanca, está cada vez mais reduzida a estudantes e turistas? Sem desprimor, não me que seja este o modelo de cidade o mais interessante para o Porto, seja pensando apenas nos seus interesses, seja nos da metrópole e da região.

Rio Fernandes