De: JA Rio Fernandes - "3 tendências territoriais no Porto, PNPOT e (ainda) Gaiaporto"

Submetido por taf em Segunda, 2006-08-28 20:01

Agradeço o repto do Luís Sousa que tomo por cumprimento. E como também o Rui Moreira me refere, aproveito, pedindo desculpa por me alongar. Deve-se ao vigor do retorno de férias!

Bom, basicamente o que eu penso sobre o problema do Porto, traduzido em território e em poucas palavras, parte de uma leitura com três entradas.

  • 1. Mudou a dimensão da cidade. Hoje a maioria em que a larga maioria de nós vive o seu dia-a-dia existe num espaço pluri-municipal, com uma cidade-centro pequena (tem metade da área de Lisboa) e que continua em perda, ou seja, que é cada vez mais semelhante às que a rodeiam, em densidade populacional, em número e diversidade de estabelecimentos industriais, de comércio, ou serviços de todo o tipo, como em relevância política. É o conhecido “efeito donute”, com o esvaziamento de pessoas e actividades a começar no centro histórico e a aprofundar-se (ficando buraco), ao mesmo tempo que se alarga, à Baixa e a ambos os lados do Douro, à VCI e nalguns pontos para lá da Circunvalação.
  • 2. A cidade é mais dual. Na Foz e na Boavista, como em Leça e Granja, estendendo-se para Vila do Conde e Espinho, reforça-se um espaço ocidental de alguma qualidade, de habitação mais cara e espaços melhor cuidados (até o Estado ajudou, com o Polis na frente atlântica e a Casa da Música na Boavista), comércio com inovação, hotelaria e serviços de gama alta; opondo-se a Bonfim e Campanhã, mas também a boa parte de Valongo e Gondomar, onde se mantém a dependência nos movimentos diários casa-trabalho e em diversas outras dimensões se reforça uma certa suburbanidade (que o Estado parece incentivar, por exemplo no atraso pelo serviço de metro…).
  • 3. Aumentou a diferença entra a “nossa” cidade e a dos “outros”, entre a cidade privada (de uso colectivo) e a cidade pública, ou seja, com notáveis excepções ainda (espero que seja ainda!) vivemos um tempo em que o transporte colectivo e a circulação a pé são desvalorizadas, perante o automóvel, em que os centros comerciais (ou “certos” restaurantes, “certas lojas”) são os reinos do conforto (sobretudo a certas horas e sobretudo excepto aos domingos, quando é para “os outros”), sempre abertos, limpos e seguros, como os aeroportos e a universidade, onde se chega e se estaciona. O passeio das ruas fica para os outros e a cidade antiga fica insegura e suja (o desleixo no centro histórico do Porto é vergonhoso para o turismo e para quem lá vive e um notório retrocesso ao que já tivemos!) enquanto as obras de “requalificação” retiram conforto. Já viram como as pessoas se sentam de lado na pedra fria na Cordoaria? Já viram que não há sítio agradável para se estar na maioria das nossas praças? Por certo que a maioria já percebeu que o espaço público do Porto (e infelizmente não só, mas também em Matosinhos e Vila do Conde, por exemplo) está a ficar cinzento (entre granito e asfalto), desconfortável ao caminhar (refiro-me à “pedrinha” de granito), monótono (por “liso” e descolorido) e sem flores (e sem vida também…). Já não bastava aos centros comerciais a vantagem dos horários, do acesso fácil e estacionamento gratuito, da sua inserção em plena mancha urbana, da sua boa concepção e gestão… e francamente mais usados em relação aos espaços verdadeiramente públicos do que nas cidades espanholas, francesas, alemãs, …

Sobre este tema e outros que lhe estão associados, quem desejar, como o Luís Sousa, pode contactar-me que eu faço chegar alguns dos meus textos mais recentes. Segue lista:

  • - Sustainable urbanism: reducing, recycling and reusing in a larger and more complex urban space, in Lois Gonzalez, Ruben (ed) Urban changes in different scales; systems and structures, Santiago de Compostela, Publicacións da Universidade de Santiago de Compostela, 2006, pp. 251-264.
  • - Contributos para a coordenação territorial no “Grande Porto”, in Porto Cidade Região, Porto, Reitoria da Universidade do Porto, 2005, pp. 263-274.
  • - L'urbanisme commercial et la crise du commerce indépendant et du centre-ville au Portugal, “Sud-Ouest Européen”, nº20, Presses Universitaires du Mirail, 2006, pp. 107-114.
  • - Villes et stratégies d’aménagement du territoire : le cas de Barcelos (Nord-Ouest de Portugal), “Sud-Ouest Européen”, nº18 (número especial de homenagem a François Guichard), Presses Universitaires du Mirail, 2005, pp. 85-91.
  • - A reestruturação do comércio e os tempos da cidade, Porto, “Linha de Terra”, nº2, Universidade Lusíada Editora, 2004, pp. 77-89.
  • - A cidade, os municípios e as políticas: o caso do “Grande Porto”, Porto, “Revista de Sociologia”, nº13, Faculdade de Letras da U.P., 2004, pp. 227-251.
  • - “Porto-Gaia” e a cidade-metrópole: contributo para responder à necessidade de reorganização do território metropolitano, Porto, “A Obra Nasce”, nº2, Fundação Ensino e Cultura da Universidade Fernando Pessoa, 2004, pp. 70-85.
  • - Reabilitação de centros históricos e reutilização da cidade: o caso de Porto-Gaia, in Conservar para quê ?” (coordenação de Vítor Oliveira Jorge), Porto/Coimbra, FLUP/CEAUCP, 2005, pp. 213-230.
  • - Restructuration commerciale et temps de ville, in Temps des Courses, Course des Temps (direcção de Jean-Pierre Bondue), Lille, USTL, 2004, pp. 55-67.

Relativamente ao PNPOT fico satisfeito com o adiamento do prazo-limite. Sou dos que li os dois relatórios finais e ficou francamente satisfeito na generalidade e muito em particular com algumas medidas francamente interessantes. Como sempre acontece com o que achamos bom, só temos pena que não tenha ido mais longe.

Além de alguns reparos de pormenor (que já fiz chegar por via electrónica e um dos quais entronca na questão da taxação dos imóveis a que Cristina Santos e Rocha Antunes muito bem fazem referência), deixo 3 grandes votos (e promessa de empenho pessoal):

  • 1. Que o governo – todo o governo (nos seus vários ministérios); este governo e os próximos – tome(m) a sério as orientações do programa;
  • 2. Que ele seja apreendido e adoptado por técnicos e políticos em todos os demais instrumentos de planeamento que, de tantos e tão poucos operacionais, por vezes se atropelam entre si (PDMs, PROT’s, PER’s, …)
  • 3. Que a administração do território aumente a sua eficiência para corresponder ao programa, com articulação regional das políticas como mínimo obrigatório (e regionalização depois de referendo, espero que) e aumento dos níveis de cooperação inter-municipal, o que na minha opinião e no caso de Porto e Lisboa (que já conheceram juntas metropolitanas sem poder), deverá passar pela transferência de competências para as metrópoles. Isso, no caso do Porto, meu caro Rui Moreira, não deveria caminhar para uma a meu ver popularmente inaceitável e territorialmente perversa mega autarquia de GaiaPorto ou Gaiorto (no nome respeito a ordem alfabética e também a dimensão relativa dos municípios), mas antes para a transferência descendente de competências por parte do Estado central (ou da sua participação em empresas de transportes, de água, saneamento, …) e ascendente dos municípios (por exemplo em matéria de planeamento estratégico e urbanístico) para um órgão de gestão dirigido por um presidente que não poderia acumular funções e reuniria a área geográfica de Porto, Matosinhos, Maia, Valongo, Gondomar e Vila Nova de Gaia. Só assim se poderiam combater (ou pelo menos minimizar/orientar) com maior eficácia as 3 tendências fortes do território antes identificadas (todas três potencialmente nefastas, especialmente a terceira) e não se andava a perder tempo e dinheiro com conversas de revitalização da Baixa enquanto se abrem mais mega-shoppings ao lado; de retorno ao espaço público das pessoas, oferecendo-lhes cinzento, monotonia e comércio do passado ou de produtos de baixo custo; a procurar-se cativar utentes para o metro e a construir-se mais estacionamento automóvel no centro; a recuperar bairros no município do Porto e a fazê-los iguais, só que agora em Gondomar ou Valongo; a “erradicar” arrumadores nuns lados e não noutros, …. Enfim…

Desculpem se o tom pareceu amargo. Por detrás, há optimismo. E a descoberta, todos os dias, de coisas novas e interessantes, sobretudo associadas à capacidade individual de vermos, vivermos e melhorarmos em pequenas coisas a nossa cidade (é à cidade alargada e multimunicipal que me refiro) e também o prazer de perceber como a cidade é capaz de se auto-regenerar e de se manter ano atrás de ano, século atrás de século, tendo já conhecido muito disparate e estar aí, sempre nova e sempre possível de ser transformada. Para o que cada um e todos acham como o melhor!