De: Nuno Oliveira - "A miragem de um Corredor Ferroviário Atlântico"

Submetido por taf em Sexta, 2011-07-01 18:29

Foi hoje anunciado o cancelamento, sem qualquer discussão prévia que dignifique a sociedade civil e através de uma telegráfica mensagem enviada por email, o serviço internacional ferroviário que liga o Porto à Galiza.

Esta ligação atravessou três séculos, resistiu a guerras e viu mudanças de regime, existindo nas eras das fronteiras vigiadas e das "portas abertas". Mais do que duas regiões este comboio ligava dois hemisférios da mesma continuidade, que timidamente é reconstituída, resistindo à polarização dos seus respectivos centros. Tinha uma sobrevivência ténue: um traçado do século XIX, com composições dos anos 60 e protagonista de um dos transbordos mais sádicos (há muitos), em Nine, ou seja, um serviço anacrónico para utentes que têm o direito de exigir padrões melhores. Apesar disso era o serviço mais utilizado na Linha do Minho, como seria se estivesse ao nível de um serviço próprio do ano 2011? Teve com as SCUT uma oportunidade - podia cumprir o mesmo trajecto de forma mais económica e até mais rápida que as alternativas rodoviárias. Isto requeria um investimento na muito prometida reabilitação e uma política comercial que não fosse de um amadorismo constrangedor - adiou-se tudo isto e agora acabou uma alternativa que o Norte precisava.

Isto acontece na mesma semana em que foi conhecido o plano do anterior governo, apresentado à troika, que previa o encerramento de 800km de ferrovia e em que o Presidente do Eixo Atlântico reclamou a afectação de fundos da Alta-Velocidade Porto-Vigo na Linha do Minho, de modo a que esta acolhesse Alfas e eventualmente um serviço da CP Porto, como reclamado pela Câmara de Viana do Castelo, onde já são desmantelados estaleiros e onde sistemas de cobrança de portagens disparatados já fazem estragos de si desastrosos.

O novo governo refere no seu programa que pretende diminuir as importações e incentivar o transporte público. São excelentes objectivos no abstracto mas que precisam de uma estratégia: uma parte muito significativa das nossas importações são combustíveis e veículos e a rodovia representa mais de 40% das PPP, entre inúmeros outros factores que por si só bastariam para justificar esta aposta. Um sistema de transportes colectivos eficiente, acessível e conveniente é assim garantia de melhor poupança não só para as famílias como para o Estado (alívio do défice externo e menos custos vindos das externalidades e manutenção da monumental rodovia). É pragmático adiar a Alta-Velocidade, porque é que o pragmatismo não se traduz também no investimento em requalificações de pequena escala e de forma distribuída e gradual pelo território, de forma a que, como tantos outros países, a nossa ferrovia prospere finalmente?

A cortar cegamente sem investir no que vale a pena nada disto é possível, e o que parece hoje barato pode acabar por sair muito caro.

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Nota de TAF: sobre o mesmo assunto, sugestão de Vítor Silva - Fim da ligação Valença / Vigo / Valença