De: Frederico Torre - "Salários públicos"

Submetido por taf em Quinta, 2011-03-31 01:38

Boa noite Tiago,

antes de mais, obrigado pela resposta. Todo o prazer em trocar argumentos sobre este assunto, afinal da discussão é que vem a luz. Não tenho infelizmente tempo de responder-lhe mais detalhadamente a cada um dos seus pontos (trabalho em menos de 6 horas), mas deixo ao menos algumas ideias...

1) Naturalmente existem óptimos profissionais no sector público e alguns péssimos no sector privado. Não vou discutir cada um dos exemplos que deu porque certamente vamos discordar em alguns deles, mas para contrabalançar posso dar alguns pelo lado positivo: Dr. António Palha na Jerónimo Martins, Dr. Moreira da Silva na Vidrala, o Dr. Queiroz Pereira na Portucel ou Dr. Angelo Paupério na Sonae e Sonaecom. Mais uma nota: o trabalho de regular e garantir a boa concorrência no mercado e dos reguladores, não das empresas. Estas existem para maximizar o valor dos accionistas e trabalhadores, claro que dentro de um quadro ético aceitável.

2) Como disse no primeiro mail, o trabalho é altamente móvel. Mais ainda no caso dos gestores de topo. Nada impede ao Dr. Zeinal Brava, ao Dr. António Mexia ou qualquer um dos nomes que eu disse antes de irem trabalhar para Madrid, Londres ou Nova York. A competição para atrair o melhor talento em gestão é mundial e não local, por isso as empresas nacionais tem de pagar salários equiparáveis se quiserem concorrer na atracção dos melhores gestores, independentemente do custo de vida de onde trabalham.

3) Seria óptimo encontrar um grande número de pessoas profissionais, baratas, éticas e altamente competentes para gerir as nossas empresas públicas e o Estado. Infelizmente, acredito pouco em milagres e os últimos anos têm mostrado exactamente isso. Mesmo assumindo que esse grupo de pessoas existia, o mais provável e que ao fim de poucos anos tivessem a trabalhar no privado, porque qualquer accionista pagaria milhões para ter alguém com esse perfil a gerir a sua empresa. Sobretudo, porque sabe que essa pessoa é capaz de pagar-se a si mesma várias vezes com o seu trabalho!

4) Teve algum azar no exemplo que deu do Dr. Horta Osório... Ainda hoje saiu na imprensa inglesa o detalhe do pacote de condições que recebeu para ir trabalhar para o Lloyds. Compare os 5.6 milhões com qualquer gestor em Portugal...

5) Uma declaração de interesses prévia: trabalho num banco português por isso prefiro não fazer grandes comentários sobre o sector. De qualquer maneira, pode facilmente verificar que nenhum dos maiores bancos nacionais recebeu até agora qualquer euro do Estado. Na verdade, o que parece mais provável e que o Estado vá precisar de ser resgatado antes que qualquer um destes bancos. Nota: os casos BPN e BPP são casos de crime, não de má gestão.

6) Muito longe de mim querer acabar com a democracia representativa. Simplesmente preferiria muito mais votar e ser representado por alguém que sei quem é, com provas dadas ao longo de uma vida, que por 230 deputados que nunca fizeram nada e dos quais estou seguro não me consegue dizer mais que 20 nomes. E a maioria dos Portugueses não me dirá mais de 10... E de ter a opção de escolher para PM do meu país mais do que as duas pessoas elegidas por dois partidos, através sobretudo de interesses e favores. E no caso concreto das próximas eleições, entre duas pessoas com um currículo que os faria ficar no primeiro corte de qualquer recrutamento que eu fizesse. Ou pode dizer-me alguma altura em que o Dr. Passos Coelho tenha dado provas claras de capacidade para gerir um país? Do Eng.(?) Sócrates já nem falo...

7) Vai ser muito difícil encontrar alguém que o apoie mais que eu no argumento de que o Estado está em centenas de coisas que deveriam ser feitas pelos privados. O Estado serve para regular e prestar serviços essenciais e de bem público, não para investir em tudo o que mexe. Até porque quase sempre que o faz corre mal!

8) Um esclarecimento final quanto ao valor dos salários. Realmente as remunerações no Metro do Porto parecem-me altas, mas longe de escandalosas. Afinal, o valor do projecto está perto dos 2 biliões! Qualquer gestor de qualidade consegue facilmente criar 0.01% de eficiências para justificar o seu salário! Não sei se é o caso das pessoas citadas, não as conheço nem o seu trabalho concreto.

Dito isto, não lhe parece justo que as pessoas com mais responsabilidade no país (PR e governo) estejam pelo menos ao nível das pessoas mais bem pagas? Em vez de receberem o mesmo que qualquer estagiário saído da universidade que encontre trabalho em Londres no seu primeiro ano? E que isso provavelmente ajudaria a atrair pessoas de maior capacidade para a política?

Obrigado pela atenção,
Frederico Torre

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Nota de TAF: Uns comentários breves, que não justificam sequer um post autónomo meu. 1) Exemplo: Paulo Teixeira Pinto, 10 milhões de euros. Os salários dos CEO da EDP e da Galp são da mesma ordem de grandeza dos do Lloyds. (António Mexia mais bem pago que Steve Jobs.) Entre outros, como em tempos o avião e os 40 seguranças de Jardim Gonçalves, ou Armando Vara. 2) Se António Mexia ou Zeinal Bava quiserem emigrar, por mim tudo bem. Não tenho dúvidas de que há quem os substitua bem, e que se evitariam casos como o da Barragem do Tua. 3) Como é que um potencial Primeiro-Ministro prova que será bom PM antes de o ser? Passos Coelho tem um currículo digno e, principalmente, tem provado já como presidente do PSD saber muito bem o que está a fazer. Tem falhas, certamente; para minimizar as inevitáveis limitações humanas é que se trabalha em equipa. Mas indique-me uma pessoa em melhores condições do que ele para liderar um novo Governo (não apenas "técnicas", mas também de reunir perfil adequado e capacidade de mobilização de eleitores)... ;-)

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PS 2: Tiago, julgo que não terá tido tempo de ler a notícia relativamente ao Dr Horta Osório... Os €5.6 milhões são apenas e só prémio de assinatura e não o seu salário! Já agora, os €10 milhoes do Paulo Teixeira Pinto também não são salário, mas compensação pelo despedimento. Claramente injusta na minha opinião, isso não discuto. E como o próprio artigo sobre o Dr. António Mexia refere, o seu salário é de cerca de €1.2 milhões num ano normal, ao nível de outros CEO's de grandes grupos eléctricos europeus com quem tem de competir, passando-se o mesmo com o Dr. Ferreira de Oliveira. O caso de Steve Jobs é bastante especial e o artigo refere-o de uma forma sensacionalista, uma vez que ele é conhecido exactamente por receber apenas um dólar de salário fixo. Mas não se esqueça que ele é dono de acções da Apple no valor de $1.8 biliões, acabando por beneficiar do seu esforço sob a forma de dividendos. Já agora, também tem direito a jet privado. E pagou ao seu número dois (Tim Cook) algo como $59 milhões de bonus em 2010.... Os casos de Armando Vara e de José Pedro Soares também me parecem escandalosos, mas nenhum dos dois é gestor mas sim nomeado políticos em duas empresas supostamente privadas. E nomeados exactamente pela classe política que nos pôs na situação que estamos. Sei que não vamos concordar relativamente a António Mexia ou Zeinal Brava, mas posso garantir-lhe que são dois dos CEO's mais respeitados e admirados pelos investidores internacionais, já que é meu trabalho falar com eles todos os dias. O caso da barragem do Tua não é um problema de gestão da EDP, é um problema de regulação do Estado. Quanto a Passos Coelho, corriga-me se estou errado, mas se não me engano esteve na JSD até 95, foi deputado pelo PSD em 91-99, terminou o curso de economia na Lusíada em 2001 com 36 anos e depois foi 5 anos consultor numa série de empresas que nunca ninguém ouviu falar. Qual destas partes lhe parece que faz um currículo digno para liderar um país? Também nunca ganhou nenhuma eleição local, regional ou nacional. E parece-me que só vai ganhar a actual dada a ainda mais fraca qualidade dos demais. Quer nomes de pessoas com qualidades provadas no país? Dr. António Carrapatoso, Dr. António Borges, Eng. Belmiro de Azevedo, Dr. Artur Santos Silva...

Frederico Torre