De: SSRU - "O problema estratégico"

Submetido por taf em Sexta, 2010-12-24 11:25

O assunto que vem levantado pelo Pedro Figueiredo merece da nossa parte uma redobrada reflexão e algumas exposições no nosso sítio, com as quais pretendemos contribuir para melhorar o entendimento e discussão do tema: “as intervenções sobre o património classificado por parte das SRU’s”. A Cristina Santos resumiu ainda mais o assunto, de forma igualmente brilhante, colocando o dedo na ferida que é o erro de estratégia da Porto Vivo em empreender um tipo de intervenção desadequado ao(s) público(s) alvo, à envolvente, ao próprio edifício ou conjunto edificado, etc. Corrigimos apenas a referência que faz a Joaquim Branco, que assinou a maioria dos Documentos Estratégicos em vigor e portanto a estratégia que ele encabeçava tem sido mantida.

O resultado das nossas reflexões permite-nos concluir que as questões por ambos levantadas têm como origem uma questão curricular. Se partirmos do princípio que a Porto Vivo tem 40 ou 50 colaboradores e que apenas 3 ou 4 desses têm experiência em reabilitação urbana, a que foi experimentada pelo CRUARB (para o bem e para o mal), apenas com grande fé poderemos esperar um futuro auspicioso para o Centro Histórico do Porto. Não sabemos se vocês se lembram das críticas de Rui Rio às instituições que operavam no CHP, “que eram ninhos para hospedar os amigos” e no entanto foi o que acabou por acontecer nas novas empresas e instituições que criou com a desculpa de serem cargos de confiança.

Recuamos um pouco mais no tempo para introduzir aqui um entretém e relembrar uma das décadas mais negras da arquitectura nacional, os anos oitenta, para recordar a forma como foi sendo montada a ideia de que reabilitar era mais caro que demolir integralmente e construir de novo. A era dos ‘patos bravos’. Acreditarão por certo que nem sempre este conceito é correcto, não faltando exemplos disso no CHP. Foi também uma época em que apareceram as tipologias Tx+1, conceito execrável que permite uma família enrascada enfiar um ou dois filhos num cubículo que era o ‘+1’, vendido, como uma mais-valia, por um promotor ganancioso que prefere esticar ao máximo a área de construção, em detrimento de outros verdadeiros benefícios, como os logradouros utilizáveis, os espaços verdes arborizados, zonas comuns de qualidade e real usufruto por todos os condóminos. Foi uma altura em que os lugares de estacionamento do prédio eram vendidos a estranhos como forma de financiamento da obra, privando assim os moradores de uma comodidade e um direito cuja supressão é ainda hoje muito difícil de entender. E os recuados, o que é isso? São tudo sucedâneos de más intervenções, sob maus princípios, da autoria de técnicos que se deveriam impor ao ímpeto boçal dos donos das encomendas.

Todo este cenário, montado com inúmeros outros motivos de interesse, permite que as intervenções nos centros históricos sejam relegadas para um plano de seriedade muito inferior à realidade decadente que diariamente se assiste. Só assim, com técnicos inabilitados (arquitectos, engenheiros, construtores, mestres de obra, pedreiros, trolhas, pintores, estucadores, picheleiros, electricistas, etc.) e técnicas desadequadas ao objecto a reabilitar é possível criar um produto excessivamente caro e ‘defeituoso’ que não corresponde às necessidades de quem vive ou quer lá viver. Se em condições normais já é tão difícil intervir, imaginem com pressupostos errados e de tal maneira tortuosos, do tipo que permite existir, como em Carlos Alberto, um T1 triplex com 110 m2, sem garagem, a custar 235 mil euros (ena, já baixou)!!!

Por isso, não devemos pensar que existe um plano malévolo de gentrificação e que aquilo que é disponibilizado para compra é só para ricos (como se os ricos fossem realmente estúpidos para comprar ‘isto’ e ‘aqui’). Tudo se passa a um nível mais “non-sense” pois as habilitações do pessoal que planeia, projecta, constrói ou comercializa não lhes permite prever, de forma adequada, todas as correctas variáveis desta equação. Por outro lado, é ainda nossa opinião que o CHP não deve ser transformado num grande bairro social, só com habitações a custos controlados. Se nós conseguimos realizar a proeza de adquirir, reabilitar e morar nestes edifícios sobrevivendo ao processo e usufruindo de um produto de qualidade, outros o farão. Há espaço para todos aqueles que se permitem respeitar o lugar onde vivem, seja aqui ou noutro lado qualquer. Se não permitimos que um médico sem qualificação ou experiência suficientes nos opere ou trate, como é que somos tão permissivos perante estas “cirurgias urbanas” que provocam danos irreversíveis e deterioram a qualidade de vida dos centros das nossas cidades?

Abraços da ssru.