De: Pedro Figueiredo - "Banco Alimentar - um banco não especulativo"

Submetido por taf em Segunda, 2010-11-29 23:53

Para quem não sabe que são inúmeras as instituições do Grande Porto apoiadas pelo Banco Alimentar, aqui fica o apontador para um PDF com as instituições normalmente apoiadas pelo Banco, descritas no próprio site da instituição. Muda a ideia que temos desta região de Portugal, quando nos confrontamos com a lista ou o mapa das dificuldades, da fome, das carências, da quantidade de gente que passa o que apenas intuímos que passa… Nesta Sociedade, em que só existe o que foi fiimado, não existe o que nunca foi filmado. Bendita seja a crise que é mediática. Porque existe mesmo, e ao existir pode efectivamente ser combatida…

Uma vez mais, tive o prazer de participar como voluntário numa campanha do Banco Alimentar contra a fome. Em Perafita, no armazém central foram, uma vez mais, centenas de voluntários a trabalhar arduamente por uma causa que é um dever cívico de todos, ajudar outros seres humanos nas suas dificuldades. A dificuldade básica em comer. No Lidl de Gaia foram inúmeras as pessoas que nos ofereceram, a um Domingo, dois e três sacos cheios dos alimentos prioritários que o Banco pedia. E com um sorriso… Sobretudo arroz, leite e massa. Portugueses com bastante consciência pela dura realidade de famílias que estão neste momento a passar dificuldades graves na alimentação. Foi emocionante verificar que os Portugueses não estamos ainda de todo em–si–mesmados. É tão importante ter-se batido um record na recolha de alimentos para o Banco Alimentar, como ter-se batido um record há três dias atrás na participação do país que trabalha na Greve Geral. Ambos são sinais de Cidadania e de Vida, num país que é tantas vezes injustamente dado como “morto”, “em “coma”, “moribundo”, etc, etc…

Ou será antes “O Grande Capital”, financeiro, industrial, que nos diminui e decreta ano após ano, Povo com pê pequeno, pessoas em vez de povo, clientela e “target” em vez de Gente com Cabeça e Corpo? A Filosofia do Banco Alimentar supera e revoluciona o conceito tradicional de “dar esmola”. Daí o seu sucesso. O BA joga com as armas do sistema e não pretende mudar o sistema. É, portanto, uma organização que não afecta nem põe em causa a existência da Grande Produção nem da Grande Distribuição, antes se apoia nestas, os Grandes Supermercados e Hipermercados. Assim, quando um Português decide comprar mais 4 pacotes de leite, dois de arroz, 1 de massa e 10 latas de sardinha no Lidl de Gaia para o oferecer ao Banco Alimentar, que o irá entregar de forma organizada e racional a uma das cerca de 450 instituições de Solidariedade Social a que se liga, o Lidl não está a ser posto em causa, nem “o sistema”, nem o Continente ou o Pingo Doce. Todas estas grandes cadeias de distribuição terão portanto muito mais lucro, porque em geral durante as campanhas do Banco Alimentar muito mais alimentos são comprados.

E portanto, esta certeza de que nada no “sistema” que per se reproduz desigualdade, multiplica produção para desperdiçar, produz e reproduz miséria para muitos, produz e reproduz riqueza para os seus donos, esta certeza é o sucesso do Banco Alimentar. Porque se fosse “o sistema” que estivesse em causa, nada disto seria possível, muito menos a única coisa que tenho a apontar ao BA que é a publicidade BCP nos sacos de recolha… É genial a Filosofia do BA. Os grandes não são prejudicados. Os cidadãos dão o que querem e podem, de forma voluntária. Até porque sendo alimentos uma coisa tão básica e concreta não existe aquela clássica desconfiança face às tradicionais ofertas em dinheiro, as tais esmolas que não se sabe muito bem se serão bem usadas ou desperdiçadas “em vício”, gastas “em vinho” ou afinal, bem usadas… por quem as recebe. Das ofertas em dinheiro costuma nascer o Populismo PauloPortista relativamente “aos que não querem trabalhar”, aos “subsidiodependentes”, etc…

Mas sabemos que a Desigualdade, para além de estar tão bem distribuída, vai continuar a ser produzida e reproduzida no Porto, em Portugal e na Terra, hoje, amanhã e depois… Muitas, muitas e muitas vezes. Quem faz pela primeira vez a triagem dos alimentos na central de Perafita, recebe o back de que o sistema produz, e produz, e produz tanta coisa, tanta coisa, tanta coisa, e que depois, desperdiça, desperdiça, desperdiça tanta, tanta, tanta coisa mais, e mais e mais… e todos os dias. A ajuda ao Banco Alimentar não prescinde cada um do seu Dever de Lutar por um mundo melhor. Por mim, que me digo Marxista, por um mundo onde não haja exploração “do Homem pelo Homem”… É a célebre história de dar o peixe ou de se ensinar a pescar… Por mim, prefiro tentar viver num lugar onde não seja preciso nem “Banco Alimentar”, nem sequer “Estado Social”. Um sítio onde nem sequer seja necessário Estado para “redistribuir” a igualdade… Porque à partida quem produz fica com a mais-valia. Ou seja, um Lugar – não Utópico - um lugar real onde a Economia seja uma coisa que serve para quem a produz. Onde as empresas em autogestão, propriedade dos seus trabalhadores, cooperativas façam com que as mais-valias fiquem de imediato nas mãos de quem as “fabricou” na devida proporção da força, esforço e inteligência empregues, Operário, Trolha, Secretária, Engenheiro ou Arquitecto…

Entretanto, enquanto não temos vontade, força, meios ou razão para construirmos “Socialismo”, temos cada vez mais inevitavelmente de ser alimentados pelo Estado Social ou pelo Banco Alimentar… já que o Capitalismo, pequeno ou grande, empurra os povos para a indigência do baixo salário, do desemprego, do recibo verde, a uma velocidade estonteante… Esta crise não começou em 2008, mas talvez em 1808, porventura… Escreveu em 1847, Marx, no Manifesto do Partido Comunista:
“Têm-nos censurado, a nós, comunistas, de que queremos abolir a propriedade adquirida pessoalmente, fruto do trabalho próprio – a propriedade que formaria a base de toda a liberdade, actividade e autonomia pessoais. (…) Não precisamos de a abolir, o desenvolvimento da indústria aboliu-a e abole-a diariamente. (…) mas será que o trabalho assalariado, o trabalho do proletário, lhe cria propriedade? De modo nenhum. Cria o capital, i.e. a propriedade que explora o trabalho assalariado, que só pode multiplicar-se na condição de gerar novo trabalho assalariado para de novo o explorar.”

De qualquer forma, estão de parabéns os cidadãos que ofereceram tão generosamente o que ofereceram enquanto estivemos no Lidl, pelo Banco Alimentar e por quem passa fome neste país…