De: Augusto Bastos R. - "Re: «A alegria dos outros é uma chatice»"

Submetido por taf em Sábado, 2010-05-15 23:07

Caro TAF,

Esta vinda do Papa a Portugal implica questões mais sérias e fundamentais que as apresentadas por Pedro Figueiredo, e por si rebatidas. O assunto não me interessa a ponto de o discutir exaustivamente, mas ficam aqui algumas ideias.

- A vinda do Papa a Portugal pelo 13 de Maio foi pura e simplesmente uma estratégia de "marketing" religioso, num momento crítico para aquela instituição religiosa.

- Os portugueses que professam essa fé engoliram esse "marketing" com cebolada, e mais se sentiram orgulhosos e "abençoados" por tal ocorrência, a ponto de fazer cessar o sentido crítico, que já de si, em nós, não é muito famoso.

- A igreja tem, concordando consigo, um papel fundamental a desempenhar nas acções de cariz social. Isto não deve ser entendido como uma benesse ou um favor que a igreja faz à sociedade, pois na sua génese, segundo os próprios, o catolicismo em particular, não é senão amor ao próximo. Ao cumprir esse papel social a igreja só faz pela sua coerência. O estado deve, contudo reconhecer esses méritos e assistir as várias instituições religiosas que realizem esse serviço público.

- A República Portuguesa é laica. Todos os cidadãos são iguais perante a constituição/estado. Apesar disto, é impossível não reconhecer que as minorias religiosas saem sempre prejudicadas nos seus direitos ou até no reconhecimento de iguais direitos, isto porque a religião católica apostólica romana continua a ser uma religião "oficiosa" da República. Estas tolerâncias de ponto, posso estar enganado, mas nunca foram contempladas para seguidores de outras fés, minoritárias em Portugal, perante a visita dos respectivos chefes religiosos. (Espero, contudo, estar enganado). A questão dos feriados religiosos, é outra questão a ter de ser debatida, obviamente.

- A campanha mediática e comercial que se gerou ao redor desta visita papal foi simplesmente nojenta. Eu sou completamente contra a tolerância! Se chegámos a um ponto em que nos temos de aturar pacificamente, viemos pelo caminho errado, decerto. Eu promovo a aceitação. Eu aceito o meu vizinho católico como o meu vizinho testemunha de Jeová (que os tenho), e faço questão que eles professem as suas fés no pleno das suas liberdades. Nesta visita papal, a campanha mediática que se instalou não me respeitou, nem nenhuma das outras minorias.

- Finalmente, o grande poder das instituições religiosas foi atingido estrategicamente, na assumpção de que a espiritualidade se atingiria exclusivamente pela via religiosa. Os grandes fundadores das variadas doutrinas religiosas exerceram essa espiritualidade em todas as suas dimensões; as instituições religiosas apoderaram-se dos "direitos de autor" e com esse monopólio reduziram tudo a um conjunto de métodos e práticas, oferecendo atalhos para atingir essa proclamada espiritualidade. Eu, completamente agnóstico, reconheço em mim uma espiritualidade herética aos olhos de qualquer católico.

Os melhores cumprimentos,
a.

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Nota de TAF: Meu caro, não queria trazer aqui para A Baixa questões que transcendem o tema do blog, e por isso deixo apenas esta nota em vez de uma resposta mais completa que seria apropriada noutro contexto.
1) Seja "marketing" ou não, é em qualquer caso um legítimo exercício de liberdade.
2) Recomendo a leitura atenta do que disse o Papa: "A convivência da Igreja, na sua adesão firme ao carácter perene da verdade, com o respeito por outras «verdades» ou com a verdade dos outros é uma aprendizagem que a própria Igreja está a fazer. Nesse respeito dialogante, podem abrir-se novas portas para a comunicação da verdade."
3) Parece-me normal e correcto que o facto de haver uma história maioritariamente ligada ao catolicismo em Portugal, por comparação com outras religiões, tenha tradução em questões como feriados, tolerâncias de ponto, etc. É um tratamento desigual? É. E daí? Prejudica alguém? Não. Tem a ver com o património, as raízes, a identidade, não com a religião em si. Se quiser uma comparação redutora: parecer-me-ia normal que quando o F. C. Porto ganha o campeonato houvesse um referência especial (um tratamento desigual!) por parte da Câmara do Porto, eu que até nem sou adepto deste clube. ;-) Outro exemplo é a diferença de tratamento a monárquicos por oposição a republicanos.