De: Augusto Bastos R. - "A Regionalização, ou como eu prefiro chamar: A Autonomização"

Submetido por taf em Quarta, 2009-10-21 23:40

O erro e principal falha da democracia é partir de uma pedra basilar que determina que "basta" agradar à maioria e depois "que se lixe" a minoria, o sistema na prática funciona assim, é a sua condição e vicissitude, e podia ser o suficiente para o séc. XX (mesmo que por definição nunca o seja), mas um novo tempo requer uma política que o acompanhe. Este caso em particular da Autonomização um exemplo maior dessa necessidade, pois todos, maiorias ou minorias, têm de ficar satisfeitos, acabando num corolário em que esses conceitos retrógrados virtualmente se eclipsarão. Não vou cair na futilidade de apresentar aqui um mapa, até porque defendo que o mapa é o que menos importa discutir porque ele far-se-á automaticamente e como consequência do ainda hipotético referendo, apenas mudando a natureza da(s) pergunta(s).

Vamos tomar o caso de um cidadão residente em Sanguedo, Santa Maria da Feira e o seu boletim: em vez de "Concorda com a regionalização do país de acordo com o mapa apresentado, etc...: 1 - Sim, ou 2 - Não", simplesmente adicionando uma nova variável "Concorda com a regionalização... em caso de resposta afirmativa, com qual se identifica mais? 1- Porto, ou 2 - Coimbra, ou 3 - Viseu" enviando depois os dados para o devido algoritmo que organizaria os votos num mapa colorido, como normalmente gostamos de ver.

Esta é forçosamente uma simplificação, naturalmente o processo e o algoritmo para serem fidedignos serão matéria de apreensão, mas sem dúvida será exequível se para isso houver vontade, e desta maneira garantidamente o referendo passará pois o mapa será feito com o mesmo e não sujeito a aprovação. Claro que assim estaríamos a falar mais de um somatório de referendos locais a nível nacional, mas de verdade existirá solução mais competente para desenhar o tal mapa, integrando e desintegrando as suas linhas à escala da freguesia segundo a vontade popular, ou será melhor que um "sabichão" num gabinete dum ministério em Lisboa tome a decisão se Sanguedo, Santa Maria da Feira pertenceria ao "Norte" ou à "Beira" analisando dados estatísticos ou outros mapas já desenhados? Decerto veríamos que as linhas traçadas pela vontade popular seriam tão harmoniosas quanto as transições entre as paisagens no nosso país.

Infelizmente, sabemos bem que os nossos governantes, com as melhores ou piores intenções, a melhor das competências ou a melhor falta delas, frequentemente "desajudam" em vez de ajudar; mas mesmo assim, no caso do suposto "Norte" a decisão estaria a meu ver facilitada, pois seria, em minha opinião, uma verdadeira estupidez à portuguesa, aqui dividirmos a nossa zona de uma Euroregião em 2 ou 3 partes, quando os próprios mandatários públicos de Viana, Braga, Porto, Vila Real e Bragança já acordaram que todos pertenceriam a essa Euroregião Galiza-Norte, em 2008, e desde então não se viu contestação alguma, pelo menos de meu conhecimento.

Esta Euroregião é apenas 1 caso entre as mais de 70 reconhecidas pela UE (que erradamente as apelida como Regiões Transnacionais, quando as nações sendo as mesmas, são é Transfronteiriças) e, para os menos atentos, traça fronteiras aproximadamente correspondentes à Gallaecia do tempo ainda pré-romano, no sentido em que o estabelecimento dessa província romana foi uma constatação de um facto e não uma imposição, mérito reconhecido a quem de direito, não vamos, portanto, cometer um erro que nem os Romanos cometeram há já 16 séculos, reconhecendo que uma determinada "estirpe", Sueva para o caso, determinava a fronteira na terra, e não o contrário. Interesses políticos que não vêm aqui ao caso dividiram a Gallaecia em Gallaecia Norte e Gallaecia Sul, esta última adquirindo o nome de Condado Portucalense, e o resto, como se diz, é história.

Isto para dizer que realmente gente de Viana não tem de ter nada a ver com gente de Tavira, e apenas temos de respeitar as diferenças criando condições para que as respectivas expressões culturais se manifestem com toda a sua riqueza, em vez de as oprimirmos como aconteceu durante o Estado Novo. Um período em que se sacrificou, com perda efectiva, grande parte dos costumes e tradições das várias regiões do país e se subjugou o resto do país à "melhor" cultura da metrópole de então, vendendo uma ideia fictícia de nação una e uniformizada de Norte a Sul, através da subtracção e da imposição cultural, e de mentiras históricas na formação académica e na formação dos conhecimentos gerais dos cidadãos. Se é difícil ver isto à lupa por sermos portugueses, ou seja, por sermos no presente em função desse passado, a analogia com a ditadura de Franco, apenas a este respeito, é cabal. É uma estratégia que satisfaz os propósitos do tipo de regime (qualquer que seja a sua fundação política) e de repente, começa-se a falar Castelhano em sítios onde nunca antes se tinha falado no Reino de Espanha.

Nós portuenses, como bons dominadores da língua, que somos, proferimos com propriedade e absoluta convicção "o Porto é uma naçom" - de facto assim é. As novas regiões deverão ser as nações que existem dentro desta fronteira política e não é com decisões centralizadas em Lisboa, sobre o desenho desse mapa, que vamos agradar a todos. Em vez de discutir a porcaria do mapa porque não se discutem os modelos de governação, a repercussão que isso terá na organização e administração do território, na relação do poder político com os cidadãos e vice-versa, na manutenção e criação de identidade e cultura, costumes e tradições, e toda a lenga-lenga do prometido desenvolvimento regional equitativo, justo, e por aí fora...?

Temo, se o caminho não for este, brevemente Portugal poderá começar a ver as suas nações seguirem o caminho das nações espanholas em matéria de reivindicações; eu próprio digo: se não vier autonomia, venha a independência! Especialmente numa conjuntura em que parece que "Lisboa" e os "seus" governantes autistas fazem questão em desprezar e hostilizar o resto do país, oprimindo-o de uma forma tão, ou mais, dramática como durante o Estado Novo, e apesar de nesta intervenção não querer centrar a discussão no Porto, ao que parece, a nossa inata claustrofobia felídea, torna-nos os únicos capazes de insurreição face à apatia generalizada. A Autonomização é uma questão étnica e do reencontro da identidade, numa época já longa de globalização e de aculturação. Os países do século XXI são os países culturais, os únicos que verdadeiramente e sempre existiram. Acredito que o séc. XXI será o século de afirmação da pós-humanidade, o momento da história em que as pessoas voltam a ser humanas, outra vez.

Cumprimentos,
Augusto Bastos R.