De: Manuel Leitão - "Alhos e bugalhos"

Submetido por taf em Quinta, 2009-06-11 22:44

Caro F. Rocha Antunes,

Ainda bem que "achando graça" ao que exemplifiquei me coloca de fora da condição de "engraçado". É que, em ameno clima linguístico de expressões e ditados portugueses, será sempre conveniente não confundir alhos com bugalhos.

A justiça social é coisa que, como bem saberá, anda pelas ruas da amargura em Portugal. Todos os dados da União Europeia não param de o afirmar e reafirmar. Neste blog, referencia Nuno Quental a Escandinávia como exemplo de menos pobreza e melhor qualidade e vida e, com naturalidade, alia estas à menor diferença entre os proventos máximos e mínimos dos cidadãos. Em França o ordenado mínimo está isento de IRS. Que interessam para o caso as contas que faz ao seu IRS? Em Portugal, os que ganham dez vezes menos que outros não pagam IRS? Não têm que se alimentar, vestir, calçar, educar os filhos, pagar transportes, comprar ou alugar um local onde morar? Seguramente não estará convencido que vão pagar tudo isso com o seu IRS...

Porém, alguma profundidade na abordagem da questão não pode ficar por demonstrações tão óbvias como estas e aplicáveis apenas a um aspecto lateral. A base do problema tem a ver com a propriedade e a distribuição do valor criado em qualquer empresa: enquanto se escamotear que não é "natural" considerar "sagrada" a exclusiva apropriação do lucro por parte do proprietário (mesmo com sua eventual, parcial distribuição pelos trabalhadores em caso de "bons sentimentos" por parte do dito...),continuaremos à mercê das maiores injustiças. Madoff (e alguns outros, por cá também) lá vão tendo que prestar contas das malfeitorias que passaram a vida a praticar. Muitos ainda não...

Termino com uma quadra duma famosa canção brasileira dos anos 50, do premiado filme "Os Cangaceiros", que, embora referindo-se à renda num outro contexto, nos remete para uma realidade bem próxima.

Olé mulher rendeira
Olé mulher rendada
Tu me ensina a fazer renda
Que eu te ensino a namorar...

Cumprimentos.
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Nota de TAF: Só um esclarecimento - em Portugal quem ganhar apenas o salário mínimo garantidamente paga zero de IRS. Mesmo para ordenados bastante acima do mínimo não são nada invulgares situações em que a colecta acaba também por ser nula, recebendo o trabalhador a totalidade daquilo que lhe foi retido na fonte (isto quando chegou a ser retido).