De: António Alves - "Desmancha-prazeres"

Submetido por taf em Sábado, 2006-07-08 16:10

Parece estar todo o mundo feliz com o sucesso do leilão das casas recuperadas na Rua das Flores. Ainda bem. Em tempo de tristezas qualquer acontecimento positivo é motivo para celebrar.

Não quero ser desmancha-prazeres, mas eu teria mais cuidado antes de embandeirar em arco. O simples facto de ter sido recuperado um edifício na Baixa, e algumas dezenas de pessoas terem disputado um apartamento, é motivo para ter alguma esperança, mas não deve ser motivo para grandes festejos. Ano e meio após a sua criação a Porto Vivo recuperou um prédio e trouxe 6 (seis) novos habitantes à baixa. A este ritmo nem lá para o ano 2100 teremos a Baixa repovoada. Esperemos que a sua actuação - apesar de tudo positiva - sirva de incentivo à iniciativa privada e esta, de moto próprio, comece a renovar e a colocar no mercado quantidades de casas verdadeiramente capazes de repovoarem a Baixa.

Outro problema são os preços: com os preços praticados nestes apartamentos agora vendidos, não acredito, de todo, que um dia possamos ver a Baixa do Porto pujante e cheia de moradores. Os preços são elevados e só estão ao alcance dum segmento reduzido da sociedade. Segmento esse de que faz parte um grupo que, pela amostra, é bem específico: jovem, com educação universitária e "ideologicamente" motivado para regressar à Baixa. Este tipo de "gentrificação" não será nunca suficiente para repovoar a cidade. Noutras cidades europeias, em que foram recuperados quarteirões inteiros, este tipo de actuação resultou apenas na construção de ilhas de bem-estar (semi-vazias) que nada de positivo trouxeram às manchas de pobreza que as rodeiam. Sem um mercado de arrendamento e de casas para venda a preços verdadeiramente acessíveis, que permitam à imensa classe média baixa (a esmagadora maioria dos portugueses) que sobrevive nos bairros sociais e nos subúrbios regressar à cidade, julgo que estamos apenas a enganarmo-nos a todos. Em resumo: sem casas para o "povo comum" tudo isto não passará duma operação de nobilitação de algumas pequeníssimas áreas.

Desculpem lá o mau jeito, mas alguém tem que fazer o papel de anão rezingão :).

António Alves