De: F. Rocha Antunes - "Clarificar algumas ideias a considerar para o futuro da cidade"

Submetido por taf em Sexta, 2008-05-02 03:13

Cara Ligia Paz

Desculpe a informalidade do tratamento, mas é assim que aqui nos costumamos dirigir uns aos outros. Gostava de comentar um pequeno excerto da reflexão que aqui nos trouxe e com o qual não concordo. É este:

"A aceleração da especulação imobiliária é já notória em diversas zonas da Baixa, e a substituição de uma população maioritariamente pobre e envelhecida irá rapidamente dar lugar a uma exclusiva classe social de elevado poder de compra."

Antes de explicar a minha discordância, deixe-me dizer que numa coisa estou de acordo: a questão que coloca é essencial. Um dos pressupostos da revitalização da Baixa tem de ser a da promoção da habitação. Sem habitantes é impossível aguentar a reconversão que o turismo começou. Seja para os mercados, seja para qualquer outra actividade que não dependa exclusivamente do turismo. Vamos à sua afirmação.

"A aceleração da especulação imobiliária é já notória". Como é que conclui isso? Por especulação está a falar de letreiros de prédios à venda? Ou cartazes a anunciar obras? A única especulação que conheço é a que os donos dos prédios fazem ao pedirem valores exorbitantes na venda, "esquecendo-se" que os imóveis ainda não estão reabilitados. Por isso é importante que a SRU tenha a capacidade de expropriar, para que os valores sejam "apenas" os que a lei considera adequados. Não percebo do que fala.

Quanto à suposta velocidade rápida em que será feita a substituição de uma população maioritariamente pobre e envelhecida pelos indesejáveis ricos não vejo como seja possível, nem pela parte da velocidade, nem pelo número de ricos. A ideia de que a exclusiva classe social de elevado poder de compra que aí vem a galope expulsar os pobrezinhos parece presumir uma discriminação a quem tem dinheiro para pagar o elevado custo da reabilitação dos prédios, em cumprimento com todas as obrigações legais. Será?

Agora só faltou falar-se do termo da moda, que não usou, mas que sai sempre que se fala da Baixa: a gentrificação. O Bolhão, e o resto do comércio da Baixa, ressentiu-se da falta de poder de compra resultante da debandada dos escritórios, que por sua vez tinham expulso a maioria dos habitantes da Baixa décadas atrás. Os melhores consumidores residentes eram, e nalguns casos ainda são, os que moram nos primeiros quarteirões destinados à "exclusiva classe social de elevado poder de compra" de então: o Palácio do Comércio e o quarteirão acima. Esses exemplos horríveis de especulação imobiliária, em que seguramente provocaram a "substituição de uma população maioritariamente pobre e envelhecida", fizeram com que a Rua Sá da Bandeira fosse uma das mais prestigiadas ruas residenciais da época. Gentrificação "avant la lettre", seguramente.

Eu sou promotor imobiliário (aquilo que para a maioria das pessoas significa um especulador imobiliário, imagine-se) e estou a desenvolver projectos de habitação que vão ser vendidos pelo valor elevado que achamos que vamos criar mesmo no coração da Baixa. Vamos transformar antigos edifícios de escritórios e de comércio em habitação. Espero trazer umas centenas de famílias e se correr bem são de elevado poder de compra, o que significa que iremos promover a fixação de um valor de consumo local que poderá atingir a exorbitância de um milhão de euros anual, de que todo o comércio local irá seguramente beneficiar, para não falar dos serviços e empregos que isso gera. Isto apenas numa parte de um quarteirão. Imagine-se se a moda pega! Mas não quero que fique assustada, não se fabricam ricos em quantidade suficiente para encher mais do que meia dúzia de quarteirões, e para isso basta ocupar os que eram ocupados pelos escritórios, não vai haver nenhum movimento visível de habitantes expulsos. Agora o impacto que esses malvados podem ter na economia local é que me parece não negligenciável.

Claro que isto é apenas a opinião de um profissional de promoção imobiliária que, como todos sabem, está interessado em ganhar dinheiro. Os outros não. Espero ter ajudado à discussão.

Francisco Rocha Antunes
gestor de promoção imobiliária