De: José Ferraz Alves - "O público e o Porto I"

Submetido por taf em Sexta, 2008-02-29 14:30

Caros Tiago e José

Há dias em que me recolho com a sensação de ter falhado e de não ter feito algo que devia. E ontem, à saída da Católica, ainda não tinha isso bem percepcionado. Mas, depois daquela hora em que conversámos, tive isso como certeza e que o caminho era partilhar convosco, hoje, essa angústia. Que decorre da perfeita sensação que tive, naquela sala, que mais do que dos excelentes oradores e comentadores, o objectivo era procurar as respostas na audiência.

O Rui Moreira e a Luísa Bessa foram bem exemplificativos dessas situações. O que significa isso? Eles já procuram as ideias e as soluções fora do grupo habitual, não por falta de capacidade destes, claro, mas porque é preciso pensar e fazer diferente. E porque todos temos o nosso papel. Também a este nível. E não, não é preciso recorrer às habituais pessoas da cidade para encontrar respostas. Essas já fizerem o seu papel e continuam a apostar em criar condições para que outros apareçam, com as suas ideias. O Eng.º Belmiro de Azevedo revelou bem o cansaço que sentia, de um longo dia que tinha passado.

E aí surge o vosso papel nos blogues. Que representam uma afirmação de cidadania. E não é preciso cair na tentação de lançar ideias todos os dias. Porque isso é forçar. Haverá um dia em que surge o click. As ideias também são fruto de um esforço de construção. Mas quando tem de ser, elas são mais fortes do que nós. E quando lutamos muito por uma ideia, ela torna-se boa. Eu comprometo-me a partilhar e a não ser egoísta naquilo que penso e no que quero para a região. Até hoje, procurei um interesse material na minha acção. O que ganho com isto, a quem devo transmitir, etc. E a ser demasiado fechado nessas opções. Mas não tanto como o devia. Porque tudo começa e acaba em nós. E é só à nossa consciência que devemos prestar contas. Mas, quem mais merece as minhas ideias é a minha cidade. O Porto. E, boas ou más, vou dá-las à cidade. Por vosso intermédio, se me ajudarem.

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No caso do tema de ontem, sobre a necessidade de um novo ciclo de obras/investimento público, a minha pergunta imediata é: mas que rigidez é esta que temos no país que nos obriga tanto a falar de obras públicas? De facto, de que massa precisamos, da de cimento ou da cinzenta? O Prof. Oliveira Marques foi muito honesto e inteligente. Não precisa de mais de 300 milhões de euros para gerir, por ano, de investimento, a partir daí, entra-se no desperdício e nas deseconomias de escala.

Eu tenho trabalhado com o pequeno investimento de carácter privado, pelo que estou muito mais focalizado nesta segunda realidade. Sei que o pequeno investimento privado é feito por empresas que, estando inseridas numa dada cadeia de valor, recebem os rendimentos decorrentes do nível de despesas públicas do Estado transmitidos por patamares, acabando por ter efeitos directos que são marginais para a sua actividade – i.e., o seu volume de negócios.

Para este tipo de empresas, estará em causa a possibilidade do investimento público induzir efeitos de multiplicador da despesa, com capacidade de alavancagem e de criação de valor. Para esse efeito, não deverá ser medido a partir do seu impacto directo no volume de negócios das empresas, mas por via indirecta, por outros negócios que, como consequência, se possam vir a desenvolver, e com outros clientes, que não o Estado. E de preferência, com entidades não nacionais.

* Então, porque será que neste país, no discurso político ou na crítica dos media, importa, apenas e só, quanto se gasta e não como se gasta? Porquê o eterno e enraizado primado da quantidade sobre a qualidade? Talvez, porque, no fundo, temos muito pouco respeito por aquilo que é dos outros, e pouco ou nenhum respeito por aquilo que é público, que é de todos, e que por isso também é nosso.

* E com as acções de investimento público não se continua a pensar demasiado no lado da oferta, descurando a procura? Estou, por exemplo, a pensar na decisão que já foi tomada por responsáveis políticos em avançar com o financiamento/incentivo directo aos trabalhadores, e não às Instituições Formadoras, no âmbito da formação profissional. Outro exemplo, acrescido pela necessidade de se criarem parcerias a outros níveis, para além de Portugal não poder continuar a financiar o I&D apenas pelo lado da oferta, tem-se o excelente caso da COTEC e da sua “networking”, em que ficou provado, que mesmo com todas as conhecidas limitações do SCTN - Sistema Científico e Tecnológico Nacional, é possível estabelecer parcerias público-privadas na investigação que criem de facto valor para a economia nacional.

* E porque é que se assume que todos os recursos financeiros públicos têm de ser consumidos em projectos de investimento? Poderiam, caso estes tenham uma baixa rentabilidade de retorno, ter mais eficácia se entregues directamente aos cidadãos, como imposto negativo (exactamente na mesma lógica de remuneração accionista no sector privado).

* Será que estes investimentos se destinam a satisfazer as necessidades reais dos cidadãos? É que nem todos os governantes precisam de passar pela vida pública para mostrar obras físicas, imobiliárias. Penso, até, que acabarão por passar para a história os primeiros que deixarem o de fazer. Dou o exemplo da Suécia, que aprendeu na década de 90 uma lição chamada Gestão, segundo declarações do Sr. Goran Persson:

“Podem escolher o modelo social que quiserem, mas têm de o saber gerir”
“Tomem conta do vosso sistema e nunca lhe ponham um fardo superior ao que podem financiar”
“O mais importante do factor crescimento económico não é se os impostos são elevados, mas a forma como são usados”.

E os números deste país:
A produtividade dos pequenos privados da Suécia está a crescer, continuamente, ao ritmo de 6% ao ano, de forma sustentável.

A Suécia está no terceiro lugar nas finanças públicas e há já vários anos que a sua taxa de emprego aumenta. Lá, o que é visto como problema, passa a ser um desafio para ser ultrapassado: por exemplo, o envelhecimento da população e a pressão sobre o sistema de segurança social é entendido como um incentivo para a investigação em áreas como a demência, senilidade e outras relacionadas com o envelhecimento dos suecos, criando valor de exportação para outros países que compense os custos que terão de ser suportados por esta realidade. E se existe uma área (bastando ler os jornais diários) em que Portugal tem vantagens competitivas é a que se relaciona com a saúde (investigação, aplicação, farmacêutica, turismo de saúde, geriatria, bom clima e tudo o mais associado).

* E, na análise custo-benefício, onde entra o processo de avaliação, económico e social, dos investimentos públicos?

* E o momento temporal da decisão, que tem estado demasiado focalizado no ponto de partida e que deveria passar para um momento 0+t, sendo t o momento de renovação das concessões ou outro qualquer que permite uma avaliação a jusante da decisão do momento 0?

* Associado ao investimento público está o conceito de Parcerias Público-Privadas. Nestas, por definição, os governos passam para a iniciativa privada a responsabilidade do financiamento e da construção de várias infra-estruturas e as empresas são depois compensadas e remuneradas pelas receitas que daí sejam provenientes. Todos ganham de facto com o modelo das Parcerias Público-Privadas?

A situação real da experiência internacional mostra que, em países em que o Estado funciona pior, as PPP levam a resultados menos interessantes (América Latina vs. Escandinávia). O problema, que parece estar diagnosticado e ultrapassado (?), é o da “assimetria na agilidade para lidar com a concessão”, em que o parceiro menos sofisticado poderá correr o risco de estar em desvantagem. Sobre a capacidade de gestão, não deveriam as PPP, como noutros países, ter contínuas avaliações, nomeadamente nos momentos de renovação das concessões, e efectuadas pelos seus utentes?

* De acordo com estudos efectuados na Suécia, EUA e Brasil, mostrou-se que a grande obra pode custar menos 30% a 50%, se efectuada por troços menores (pelo efeito da competitividade). Concluiu-se que, quanto menor o troço, menor o custo por km. Há números para se poder concluir o que se passará em Portugal? (quando se refere o caso de estradas, também se poderia falar de aeroportos, portos, barragens, etc.).

Pergunta sem resposta: quais são os reais custos das grandes obras? Pergunta que deveria ter resposta: os lucros devem ser baseados na eficácia ou no monopólio? Uma concessionária em Portugal, por exemplo, tem bons lucros, baseados não na eficácia, mas no monopólio. Trinta pequenos empresários são menos eficientes e, mesmo assim, com as mesmas tarifas, dão mais lucro, sendo algo que ninguém quer publicitar por desconhecer os reais custos das grandes obras. Mas quem tem a estrutura destes custos fica admirado com a diferença. São dados que podem ser transmitidos em reuniões privadas, e por quem não é parte da negociação associada aos projectos.

* A experiência tem vindo a demonstrar alguma indefinição nas áreas da saúde e das obras públicas, sendo vários os casos em que se verifica uma inversão de rumo nos processos adjudicatórios. Em contrapartida, pode considerar-se que os sectores das águas e do saneamento público são áreas em que existe uma estabilidade e, como tal, são menos passíveis de se confrontarem com os problemas de falta de concretização dos pressupostos e dos objectivos a atingir através das parcerias, bem como da indefinição de qual o modelo contratual aplicável ao desenvolvimento das respectivas actividades. Porquê? Por os segundos serem mais descentralizados e mais facilmente avaliados pelos seus utilizadores?

* E há abertura para delegar o uso dos recursos pelos privados? Por exemplo, ao protocolar entre cooperativas de professores e Faculdades Públicas, estas podem receber de empresas fundos para investigação aplicada e até o Estado ser o destinatário de uma renda.

* E as pequenas parcerias público privadas na área dos serviços de saúde? Já há propostas concretas neste domínio, em que se pede autorização para abrir serviços clínicos dentro dos hospitais, sendo remunerado como qualquer serviço ao utente pago pelo Estado, com receitas adicionais a serem geradas para o próprio sector público.

(... continua ...)