De: Paula Morais - "Multiplex e revitalização"

Submetido por taf em Quarta, 2006-05-31 09:05

Caros participantes,

Sobre a sugestão do novo edifício da Metro, na Trindade, se destinar a um multiplex de cinemas, aqui deixo mais alguns itens [aliás os habituais exemplos ;-)] para a discussão:

Multiplex e revitalização económica

Embora com proveniência norte-americana (com a pioneira AMC Entertainment, ou American Multi-Cinema, Inc.), o conceito de multiplex de cinemas (um complexo de salas de exibição, em geral com um mínimo de 8, com excelentes recursos cinematográficos, onde se destacam principalmente o conforto e a qualidade de som/imagem), teve a sua primeira concretização na Europa, mais precisamente em Bruxelas.

Atravessando uma fase, que acompanhava os restantes países europeus, de acentuado declínio na indústria cinematográfica e audiovisual, em 1985, o Cinema Metropolitano de Bruxelas deu um forte impulso contrário a esta tendência, ao criar o primeiro e mais bem sucedido multiplex do mundo: o Kinepolis (gerido pela empresa Bert & Claeys), dotado de 25 salas para um total de 7500 lugares.

Com uma excelente acessibilidade por metro, e situado no centro de entretenimento e lazer “Bruparck”, entre o Heysel-Stadium e o Atomium, teve 2 milhões de ingressos no primeiro ano de funcionamento e 3 milhões em 1994, a ponto de a espera entre sessões de cinema ser tanta, que transformou o Kinepolis no maior consumidor de Coca-Cola da Bélgica. Hoje em dia, e além de exibição de filmes, este complexo dispõe também de espaços para a apresentação de empresas da indústria cinematográfica e audiovisual, bem como para seminários e outros eventos sobre produção de media, organizando inclusive a conceituada “Cinema Expo”.

Seguiram-se os Países Baixos, a França, a Alemanha, bem como outros países europeus, a ponto de a Comissão das Comunidades Europeias na sua Comunicação COM(1999), 657, de 14.12.1999, sobre os Princípios e Orientações para a Política da Comunidade em matéria de Audiovisuais na Era Digital, considerar que o renascimento da indústria do cinema ocorrido na Europa – tendo passado de 592.72 milhões de ingressos em 1988 para 814 milhões em 1998 – foi devido em grande parte ao alargado número de multiplex de cinema.

Multiplex e revitalização urbana

Em paralelo, e um pouco como reacção ao boom de multiplex de cinema que se iam implantando em shopping centers (geralmente localizados em áreas suburbanas periféricas das cidades), pois eram considerados como “âncoras de atracção” pelos promotores/gestores destes empreendimentos, surgiu um outro fenómeno bastante interessante: como movimento contra a indústria cinematográfica de Hollywood (representante da indústria norte-americana), foram aparecendo exemplos de grupos e associações de pequenos cinemas implantados em locais diversos nas cidades, que, através de uma programação coordenada, se apresentam como uma opção alternativa ao cinema de perfil norte-americano, e que, ao mesmo tempo, surgiram como verdadeiras “âncoras” atractivas que serviram para revitalizar zonas em decadência, mas estratégicas, de centros urbanos antigos.

Na Europa, por exemplo, um grupo de pequenos cinemas deu origem à operadora francesa “UGC”, que abriu o seu multiplex na Baixa de Bruxelas, o “UGC/De Brouckère”, dedicado a cinema alternativo.

No Brasil, o case-study utilizado é o do grupo de 4 sócios (um médico, uma psicóloga e dois produtores culturais), que fundaram a “Sala de Arte”, que consideraram como uma espécie de arteplex, localizado no centro antigo da cidade de Salvador (despoletando inclusive o processo de revitalização do mesmo), e que em 2002 já possuía duas salas de exibição alternativas aos multiplex.

Aliás, fundamentando-se numa ideologia oposta à dos multiplex, um facto é que os arteplex, também conseguiram mudar a configuração e as tendências do mercado local de cinema: quer a nível social e cultural, através de convidativas decorações das salas, bem como com exposições de pintura ou artes plásticas nos foyers, quer a nível económico, pois operam com redes de pequenos distribuidores de diversas nacionalidades de cinema independente, e a nível urbano, pois implantam-se a maior parte das vezes em centros urbanos antigos que necessitam de ser revitalizados.

Paula Morais
Arquitecta