De: José Luís Ferreira - "Regresso ao Rivoli"

Submetido por taf em Quarta, 2007-10-10 17:57

Duas notinhas apenas:

– Os «okupas» do Rivoli viram a queixa contra si ser arquivada. É um sinal de que o sistema de checks and balances ainda funciona e de que o estilo autoritário e caudilhista ainda não é regra única em Portugal, mesmo se abrilhantado e escondido atrás de uma pretensa eficácia e de uma quimérica moral impoluta…

– A segunda nota versa exactamente a questão moral, que não é uma questão abstracta, mas qualquer coisa que tem a ver com a prática concreta das pessoas. Depois de toda a demagogia com que se tentou esconder os dois ou três coelhos que se matavam com a cajadada Rivoli (1- o desprezo que RR tem pelos artistas da cidade, que não é mais do que uma fetichização do desprezo que sente pela própria cidade; 2- a afirmação política demagógico-populista que o facto de dar o peito a uma classe de «subsídio-dependentes» lhe confere, num país com os défices que todos conhecemos; 3- o frete financeiro feito a um «amigo», talvez da onça, que deu conteúdo e possibilidade concreta ao desprezo referido em 1), eis a verdade transparente: a empresa de Filipe La Féria não pagou, nem ao que tudo indica pagará, um tostão dos 5% de bilheteira que foram divulgados publicamente como sendo a compensação financeira à Câmara pelo negócio da China que um privado está a fazer em instalações públicas. Como é? Será verdade que tudo não passou de uma peneira de tapar o sol? Será que a CMP tem a coragem de, depois de ter desinvestido no seu Teatro Municipal ao longo de seis anos, não permitindo a aquisição de uma lâmpada que fosse, atribuir a F la F a missão de equipar um Teatro? Este senhor, produtor de musicais foleiros, não sabe para o que serve um Teatro Municipal. Não sabe o que é ter de dar lugar a vozes plurais que precisam de recursos técnicos diferenciados. Não sabe o que é receber hoje um espectáculo e para a semana outro. Portanto, não tem qualquer competência para equipar um Teatro Municipal. Pode tê-la para esconder a pouca qualidade das suas produções com o barulho das luzes e dos fumos, mas não mais do que isso.

Esta situação configura, portanto, outra irregularidade grave, senão mesmo uma ilegalidade (responda quem saiba): de facto, estamos perante aquilo que deveria ser um concurso público de equipamento técnico de um espaço público, sujeito a regras de equidade, defesa da concorrência, etc. Em vez disso, entrega-se o dinheiro arbitrariamente a um produtor privado para comprar, a expensas públicas, o equipamento que lhe interessa e que não corresponde a qualquer caderno de encargos verificável.

Bom, só para acabar, que as duas notas já se transformaram em quatro: alguém viu uma folha de bilheteira do Jesus Cristo? Quantos dos 80.000 foram pagos e quantos foram oferecidos? Quantos dos que foram pagos o foram efectivamente pelo público e não pelas Câmaras Municipais ou pelas Juntas de Freguesiada da região? O que significam tantos logotipos de entidades públicas (principalmente autarquias) nos materiais do espectáculo? Será que uma parte muito significativa do sucesso de público da Superestrela se deve a mais financiamento público encapotado? Será alguma vez possível conhecer a extensão da chapelada? Conheço alguém que, quando ouve falar de transparência, puxa imediatamente de uma kalashnikov. Quem será?

Eu sei que tudo isto se passa no domínio da cultura, que é o domínio daqueles gajos chatos que não servem para nada e têm a mania de ter opinião sobre tudo. Mas, atenção, tudo o que possam concluir deste processo é a matriz com que tudo o resto é tratado! Como dizia o outro; «olhem bem: estes são os ponteiros do relógio das vossas existências!» E também dizia: «O deserto cresce.» Vamos ver se não lhe damos razão!

José Luís Ferreira

P.S.: O «outro» é Friedrich Nietsche, ignoro as referências bibliográficas.