De: Paula Morais - "A exclusividade da Arquitectura para os Arquitectos e a situação na cidade do Porto"

Submetido por taf em Quarta, 2006-05-24 17:57

Caros participantes,

Como cidadã-arquitecta que sou (pois é sempre nessa condição que actuo perante a comunidade), não poderia de modo algum ficar indiferente à notícia da semana passada de ter sido aprovada pelo Parlamento aquela que é, em Portugal, a primeira iniciativa legislativa de cidadãos (ou a primeira lei proposta através do mecanismo previsto na Constituição que é a petição popular). Tal iniciativa, para aqueles que ainda não tenham conhecimento, foi promovida pela Ordem dos Arquitectos, e, reunindo as assinaturas de 35 000 cidadãos, prevê a revogação (parcial) de um antigo Decreto cujas marcas na Arquitectura nacional se fazem sentir desde há três décadas atrás.

De facto, nos anos 70 do último século, enquanto em alguns países do mundo, como por exemplo em França e em Singapura, se declarava a Arquitectura como uma actividade de interesse público, com todos os proveitos públicos que daí advêm, em Portugal fazia-se exactamente o oposto, limitando-se a actuação dos Arquitectos, retirando-lhes através de um diploma supostamente “temporário” devido ao pouco número de profissionais existente na época proporcionalmente ao território nacional – Portugal, as ex-colónias de África, Timor-Leste e Macau – (Decreto n.º 73/73, de 28 de Fevereiro) a exclusividade pela elaboração dos projectos de arquitectura. Foi então tendo esta realidade como contexto que foi efectuado nos anos 80, pelo Conselho Superior de Obras Públicas, um elucidativo inquérito às autorias dos projectos de arquitectura referentes ao período compreendido entre 1974 e 1984, com os seguintes resultados para um conjunto de 66 626 projectos:

Arquitectos = 4,1%
Engenheiros civis = 30%
Engenheiros técnicos de civil e minas = 45,9%
Construtores civis = 13,9%
Outros = 6,1%

Perante este cenário, e manifestando sérias preocupações relativas ao património construído nacional, que mostrava a cada vez maior falta de rigor e qualidade dos técnicos autores dos projectos, decidiu então o Governo, em 1988, através do Decreto-Lei 205/88, de 16 de Junho, que se tornava evidente e necessária a revogação do Decreto vigente, mostrando-se ainda urgente “acautelar”, pelo menos, “o património monumental do país”. Tal Decreto-Lei devolveu então aos Arquitectos a exclusiva responsabilidade de subscrever os projectos de arquitectura de obras de recuperação, conservação, adaptação ou alteração dos bens imóveis classificados ou em vias de classificação e das respectivas zonas especiais de protecção. E é assim, este, o regime que ainda vigora em Portugal, como aliás comprovam as várias normas incluídas em alguns instrumentos de planeamento municipal que não foram ratificadas pelo Governo precisamente por não se coadunarem com o Decreto n.º 73/73 (cfr. por ex. o Plano de Urbanização do Cadaval e Adão Lobo, no município do Cadaval, de 2004; o Plano de Pormenor para a Área Envolvente ao Cemitério de Vilar do Paraíso, no município de Vila Nova de Gaia, também de 2004; ou o Plano de Pormenor do Parque Urbano do Rio Diz, no município da Guarda, de 2005).

Mas porque este é um blogue dedicado ao Porto, e também um pouco como acção sensibilizadora, dirigida a quem se dá ao trabalho de ler o que aqui escrevo, para um tema que entendo não dizer respeito única e exclusivamente aos Arquitectos, mas aos cidadãos urbanos em geral, fiz então uma pequena análise circunscrita a esta cidade relativamente aos imóveis nos quais existe actualmente exclusividade da Arquitectura atribuída aos Arquitectos, aliás profissionais esses que hoje em dia são cerca de 14 000 residentes em Portugal, mais os que, ao abrigo do Título III do Tratado que institui a Comunidade Europeia, exercem livremente a sua actividade no espaço da União Europeia. Assim, consultei então a informação disponibilizada ao público em matéria de imóveis classificados como património arquitectónico de interesse cultural localizados no Porto, ou seja, o PDM e o Sistema de Informação do IPPAR, e eis o resultado:

- Plano Director Municipal do Porto_Câmara Municipal do Porto (CMP)

(cuja revisão foi publicada através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 19/2006, publicada no Diário da República – I Série-B, N.º 25, de 3 de Fevereiro de 2006)

18 imóveis classificados como Monumentos Nacionais (MN)
245 imóveis classificados como Imóveis de Interesse Público (IIP)
27 imóveis classificados como Imóveis de Interesse Municipal (IIM)
126 imóveis em vias de classificação

Nota: Apesar de o Anexo I ao Regulamento do PDM incluir um total de 1341 imóveis identificados como “de interesse patrimonial”, apenas é atribuída a exclusividade dos projectos de arquitectura aos Arquitectos nos imóveis classificados como MN, IIP e IIM (bem como os que estão em vias de classificação) pelo IPPAR, ou seja, nos termos do referido anexo ao PDM, um total de 416 imóveis (e respectivas zonas de protecção).

- Sistema de Informação do Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR)

(consultado através do website do IPPAR em 24.05.2006)

18 imóveis classificados como Monumentos Nacionais (MN)
58 imóveis classificados como Imóveis de Interesse Público (IIP)
18 imóveis classificados como Imóveis de Interesse Municipal (IIM)
59 imóveis em vias de classificação
Centro Histórico do Porto, classificado como bem cultural património mundial

Nota: Ou seja, um total de 153 imóveis, e respectivas zonas de protecção, bem como a área do Centro Histórico.

Já agora, e para quem quiser apreciar a qualidade arquitectónica de alguns espaços edificados que por cá se implantaram durante o século XX, da autoria de Arquitectos, recomendo uma visita ao IAPXX – Inquérito à Arquitectura do Século XX em Portugal, cujo principal objectivo é “Conhecer e dar a conhecer uma arquitectura muitas vezes ignorada e mal amada”.

Paula Morais
Arquitecta