De: David Afonso - "Reclaim the streets e outras coisas"

Submetido por taf em Segunda, 2007-09-17 01:10

1. As "rusgas" que a ASAE fez na noite do Porto tiveram pelo menos a virtude de chamarem a nossa atenção para a dificuldade que os empresários têm em licenciar a sua actividade junto dos serviços municipais. Desde o clube nocturno até à pastelaria de bairro, muitos pequenos e grandes empresários não têm outra alternativa a não ser infringir a lei, abrindo portas sem a necessária prévia licença de actividade. Conheço no Porto - sobretudo na Baixa - uma boa quantidade de estabelecimentos que funcionam nestas condições. Em alguns casos, são o investimento de uma vida, onde uma família joga o tudo ou nada e para quem é impensável esperar meses ou anos até que a bem-dita licença lhes seja passada. Se ASAE passasse a pente fino todos os estabelecimentos comerciais e de restauração do Porto, muitos seriam aqueles que teriam de fechar portas por falta da devida licença.

Parece-me injusto que aqueles que cumpriram escrupulosamente todos os preceitos legais exerçam a sua actividade com o coração nas mãos, correndo o risco de uma fiscalização lhes estragar a vida ou de até perderem a oportunidade de concorrerem a apoios porque se encontram burocraticamente na clandestinidade (já aconteceu). Desconfio que por esta situação dizer respeito sobretudo aos comerciantes que montaram praça nos tempos mais recentes, a Associação de Comerciantes do Porto, que sintomaticamente projecta um lar de terceira idade para comerciantes reformados, não cumpre o seu papel de zeladora dos interesses da classe fazendo ouvir a sua voz junto dos responsáveis políticos.

Mais grave ainda é que a incapacidade da Câmara em dar resposta em tempo útil a estes pedidos de licenciamento, cria uma zona cinzenta de legalidade, uma terra parda que protege negócios menos claros. Involuntariamente, por omissão no desempenho das suas obrigações, a Câmara alimenta a insegurança. Por esta ordem de razões, a Câmara deveria fazer um esforço no sentido de pôr em dia todos os processos pendentes. E já que a grande opção da cidade é a reabilitação do seu centro, seria desejável a criação de uma Via Verde para aqueles comerciantes que pretendam investir na Baixa e na Zona Histórica, ou seja, aplicar a estas situações a lógica da Loja da Reabilitação que até agora tão bem funcionou.

2. O evento "Se esta rua fosse minha..." organizado pelo Plano B já é um sucesso e ainda nem aconteceu ou talvez nem venha sequer a acontecer. Temos de agradecer à Câmara e à Divisão de Trânsito por terem transformado um simples festival de rua cujos objectivos eram muito modestos – apenas promover a cultura e a reabilitação da Baixa – numa espécie de manifestação pelos direitos cívicos. De repente, damos por nós a soltar o grito Reclaim the Streets com quase 20 anos de atraso. Nada melhor do que uma dose de autismo com autoritarismo inconsequente para despertar as consciências. No entanto, acho que alguém vai emendar a mão e a 5 de Outubro a festa vai ser bonita e dentro da legalidade. Ajudava, claro, que os notáveis do burgo também fizessem ouvir a sua voz neste caso. Ou apenas se pronunciam quando é o seu próprio quintal está em causa?

3. Abusando um pouco da boa vontade do Tiago, aproveito também esta oportunidade para divulgar o projecto 5ª Cidade (www.quintacidade.com). Trata-se de um blog multidisciplinar dedicado ao Património, Reabilitação e Cultura Urbana. Não é um blog sobre o Porto (aqui a Baixa do Porto é imbatível), mas sobre toda a questão da intervenção sobre o património edificado (e não só) a nível local, nacional e global e as suas implicações técnicas, sociais, culturais e políticas. Coisa pouca, portanto. Estamos ainda em fase de desenvolvimento e aceitamos de bom grado qualquer tipo de colaboração, desde que caiba dentro dos limites temáticos estabelecidos. E mais não digo. Fico à espera da vossa visita.

David Afonso
davidafonso @ quintacidade.com
--
Nota de TAF: por coincidência tinha acabado recomendar o 5.ª Cidade nos apontadores que publiquei aqui em baixo. :-)