De: Joana da Cunha Barros - "Expropriações, explicações e outros"

Submetido por taf em Segunda, 2007-09-03 20:09

Ainda em férias, aproveito para actualizar a leitura e responder a duas notas que me foram dirigidas por TAF e por FRA. Constato, contudo, sem grande surpresa, que os últimos temas aqui discutidos mereceram muito mais atenção por parte dos diferentes comentadores, do que as últimas conversas que foram lançadas sobre o Centro Histórico (CH), motivadas pela proposta de extinção de mais uma das suas instituições, a FDZHP. É compreensível que seja mais fácil argumentar sobre um objecto único, como a casa neo-manuelina, classificada ou não, do que um conjunto mais ou menos abstracto de imensas casas classificadas como Património da Humanidade. Parece uma coisa longínqua e difícil de alcançar, ainda que seja aí o berço da cidade, esta que se está a querer defender. Ainda temos um longo percurso...

Mais difícil ainda é falar sobre a questão social, sobre os problemas diários, a falta de valores e de prioridades que os agregados familiares que ainda resistem à gentrificação se defrontam constantemente, sem horizontes de mudança de vida. Famílias desprovidas de princípios, com rendimentos deficitários, sobretudo dependentes do RSI, adultos sem qualificação profissional e sem emprego, com problemas de droga e alcoolismo, jovens que faltam à escola orientados pelos apelos mais fáceis, sem modelos directos nos pais para copiar, crianças a crescer na rua com os dálmatas, os malamutes e os pitbull (ainda há dinheiro para cães com pedigree!). Existe no CH um grupo de jovens raparigas, muito novas e bonitas, que (vá-se lá saber porque pintam o cabelo de louro!?) cedo engravidam, ainda solteiras. Dessa forma aumentam os rendimentos do agregado familiar e os seus filhos crescem na rua com os seus irmãos mais novos e os dálmatas...

Insegurança é uma palavra que não se diz, mas que se sente muito por aqui. Se eu na minha insignificância conheço as personagens e as suas histórias, acham que as autoridades não sabem de nada?! Há o "Conan", o "Tarzan", o "Tony" e também o Fernando, essa figura fantástica que de repente enriqueceu e se tornou líder sem que alguém quisesse saber ou se importasse. Até então era um miúdo ranhoso e sujo que fugia à frente dos pitbull que lhe ladravam. Hoje é dono de um ou mais desses cães, já não precisa de fugir porque tem um carro topo de gama (provavelmente à prova de bala) e ninguém o consegue "apanhar".

Acham que os pilotos nas suas aeronaves, entre dois cubanos, conseguiam perceber tudo o que estava por detrás das paredes que fazem o cenário espectacular e maravilhoso que é a encosta do Douro? Será que eles sabem que dentro daquelas casas com vistas privilegiadas para o rio há pessoas a viver com pulgas e ratos lá dentro? Já sei que não são todas, mas quantas é que são precisas, quantas é que começam a fazer a diferença e a importar... uma?!

TAF referia numa nota a uma intervenção minha que não percebia a questão sobre a expropriação. Eu é que ainda não fui muito clara sobre o assunto: é que não acredito que seja a expropriação a fazer a grande diferença na reabilitação da Baixa e do CH. A expropriação como arma de arremesso não possibilitará uma contribuição duradoura na reabilitação urbana (tal como uma paz armada) e isso é o que tem acontecido aos proprietários que colocam questões e dificuldades na discussão pública dos projectos de documento estratégico.

A mais-valia que a criação das SRU's poderá trazer passa pela ausência dos planos de pormenor na gestão dos quarteirões, pelo tempo de apreciação dos projectos e pelos incentivos à reabilitação. Como o TAF sabe, nem todos os proprietários são o Montepio ou o BCP, que compram grandes conjuntos edificados ou quarteirões inteiros; os seus projectos são levados ao colo pelos directores de serviço da CMP e aprovados em tempo recorde (estou certa que o Sr. Vereador poderá confirmar isto com números e datas precisas); e quanto aos incentivos e financiamentos... estamos conversados!

Coloque-se nos sapatos do proprietário de um prédio num quarteirão, por ex. Carlos Alberto, cujo estado até não é mau, aceitável até, e apresentam-lhe um estudo que diz que o seu edifício vai ser demolido interiormente para se fazer a caixa de escadas dos seus vizinhos. Ou então nas Cardosas, onde lhe dizem que irá ficar sem o seu logradouro porque se vai construir um parque de estacionamento público(?) (em massa granítica, como ficará a estabilidade dos prédios?) e em cima deste uma (?)praça interior(?) voltada para as traseiras dos edifícios do quarteirão. Já olhou bem à volta e já reparou que praças e largos é o que não falta às Cardosas!? A expropriação não precisa de ser usada fora do contexto previsto por lei, não precisa de servir de ameaça para se fazer reabilitação. Todos os proprietários querem ver os seus edifícios em bom estado, mesmo os que não moram neles. O processo será mais duradouro e consolidado se a apreciação dos projectos for mais rápida e se houver um conjunto de incentivos que possa convencer os proprietários, da melhor forma, a renovarem os seus prédios.

Quanto a FRA, verifica-se um exagero e uma acidez nas palavras, completamente desproporcionados, sempre que não concorda com opiniões contrárias à sua, a ponto de supor algo que não é dito e valorizá-lo, como seja a questão do horror(?). Numa utilização livre das suas palavras diria que, "cometeu um erro recorrente seu, a particularização abusiva de um juízo geral, para a classificação específica de uma pessoa ou conduta". Estou certa que o importante será falar de ideias e não de agressões pessoais, incómodas e inconsequentes uma vez que em nada ajudarão as famílias desfavorecidas do CH.

Quanto a ricos e pobres sei que estamos a falar de coisas distintas pois quando me refiro à substituição das pessoas que agora habitam o CH sem melhorarem as condições de vida e de emprego, sem inserirem realmente as pessoas (que nunca serão inseridas só de olharem para os ricos vizinhos e os verem passar na rua) estou a falar dum problema bem grande que irá sempre bater à nossa porta e cair no nosso colo em forma de violência. É o que a fome e a falta de valores e de laços de família normalmente provocam. Lembro-me de há uns tempos ver escrito no jornal uma afirmação do Dr. Arlindo Cunha, Presidente do CA da Porto Vivo, dizendo algo como: "viver no Centro Histórico vai ser como usar roupa de marca". Ingénuo ou não, fica muita coisa dita com isto.

Agrada-me no entanto que FRA nada tenha dito relativamente a outras questões bem mais importantes e que igualmente levantei nas minhas intervenções anteriores. Poderá isso significar anuência!?

Joana da Cunha Barros