De: Rui Rodrigues - "Aeroporto secundário em Lisboa"

Submetido por taf em Quinta, 2007-05-03 11:26

Envio artigo publicado no Público de 30 de Abril de 2007
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AEROPORTO SECUNDÁRIO EM LISBOA

Uma das questões que têm sido abordadas na imprensa, na polémica da construção do novo aeroporto, diz respeito à possibilidade de se utilizar um aeroporto secundário que possa complementar a Portela. Para que não exista qualquer dúvida sobre este assunto, nada melhor que transcrever parte de um estudo da ANA-Aeroportos de 1994 que, surpreendentemente, a NAER (empresa que está a estudar este projecto) não publicou no seu site:

- ESTUDO DA ANA-AEROPORTOS DE 1994

Sobre a operação conjunta da Portela com outras localizações de aeroportos, o estudo diz o seguinte:

“Rio Frio - Com a orientação de pistas definida e atendendo ao afastamento físico desta localização face à Portela não se prevêem problemas operacionais, derivados da operação conjunta, para além da necessidade de coordenação com mais uma entidade.

Montijo A (Orientação de pistas Norte/Sul) - Apesar da maior proximidade à Portela, a orientação de pista paralela à actual pista principal permite operar como um único aeroporto, não se prevendo que existam restrições ao tráfego com significado, embora exija um maior esforço de articulação e coordenação.

Ota - Atendendo a que ambas as pistas ficarão num mesmo eixo Norte/Sul, coincidente com os principais fluxos de tráfego de Lisboa, as descolagens da 03 na Portela interferem com as aproximações à 01 (lado sul) na Ota e, inversamente, as descolagens na pista 19 da Ota interferem com as aproximações à 21 (lado Norte) na Portela.

Montijo B (Orientação de pistas Este/Oeste) - Situação mais complexa porque as linhas de aproximação da actual pista 03 na Portela, com a 08 no Montijo, se cruzam num ponto onde as aeronaves se encontram na trajectória final antes da aterragem. Também nas descolagens da pista 21 na Portela e da 26 no Montijo existe o mesmo tipo de conflito, bem como em caso de descolagem ou aproximação falhadas. Cada situação de conflito introduz uma redução de 5% na capacidade de pista. Face aos análogos regimes de ventos, a atribuição das pistas em uso 03 (lado da 2ª circular) ou 21 na Portela corresponderá, respectivamente, às 08 e 26 no Montijo,”

Através das próprias conclusões da ANA-Aeroportos fica-se a saber que tanto Rio Frio e Montijo podem ser utilizados juntamente com a Portela.

- AEROPORTO PARA AS LOW COST

Um dos argumentos mais invocados contra a utilização do Montijo para as Low Cost, segundo a NAER, deve-se aos custos que tal opção iria implicar. Se esse argumento fosse válido, então ninguém conseguia entender por que razão se estão a investir milhões de euros no aeroporto de Beja para que, no futuro, seja utilizado pelas Low Cost. O Montijo de certeza absoluta que irá ter muito mais tráfego e, consequentemente, mais receitas que Beja.

O aeroporto de Low Cost de Beauvais, que está situado a cerca de 84 Km a Norte de Paris, é gerido pela Câmara de Comércio e Indústria da região de L’Oise e, apesar de só ter transportado, em 2005, 1 milhão e 800 mil passageiros, já tem lucro. É uma pista e um barracão.

O tráfego das Low Cost na Portela já representa, em Maio de 2007, perto de 17% do total o que corresponde a 2 milhões de passageiros anuais e por esta razão tinha todas as condições para ser um êxito comercial. Os turistas até poderiam utilizar barcos do Montijo para o Cais do Sodré, onde existe ligação à rede do metropolitano de Lisboa e à linha de Caminho de Ferro de Cascais.

Convém recordar que, na Europa, existem vários aeroportos de Low Cost com uma pista de apenas de 2200 metros de comprimento, o que é perfeitamente viável no Montijo, que possui uma área superior ao aeroporto da Portela.

As grandes vantagens do Montijo, relativamente a outras opções, são a economia de recursos e, sobretudo, a possibilidade de, em poucos meses, o aeroporto complementar à Portela ser uma realidade, pois nem sequer vai ser necessário efectuar expropriações.

- INCONGRUÊNCIAS

Se a Portela está tão saturada como o Ministro Mário Lino afirma frequentemente, então porque não se utiliza imediatamente o Montijo ou outro local? Esta é uma contradição que ninguém consegue entender, pois a Ota deverá necessitar de 10 anos ou mais para entrar em funcionamento.

Se o tráfego é tão elevado na Portela, então por que razão é que a TAP já cancelou mais de 200 voos desde o início do ano de 2007? Estes cancelamentos, na maior parte das situações, devem-se aos baixos preços praticados pelas Low Cost.

Para minorar os efeitos da nova concorrência, criada pelas Low Cost, provavelmente a solução mais rápida, simples e barata seria transferi-las para fora da Portela, num aeroporto secundário, tentando evitar que a TAP vá rapidamente à falência.

- NÃO EXISTE POLÍTICA AERONÁUTICA

Uma das grandes surpresas de todo este processo consiste no facto de o Governo querer construir um novo aeroporto sem sequer possuir qualquer política aeronáutica. Um projecto desta envergadura deveria ser pensado de acordo com o mercado existente e futuro. Neste momento, está a ocorrer uma nova realidade que são as viagens Low Cost e que se prevê que, na U.E., possam representar 50% de todo o tráfego aéreo. Não se compreende a construção de um aeroporto, como a Ota, que vai ter taxas aeroportuárias muito mais caras e que serão incompatíveis com a estratégia das companhias aéreas de Low Cost.

Em conclusão, enquanto o mercado se vocaciona para os voos de baixo custo, o Governo pretende avançar com um aeroporto de alto custo, contrariando todas as leis da Economia.

Rui Rodrigues
rrodrigues.5@netcabo.pt
www.maquinistas.org