De: Rui Moreira - "Lobbies e comboios"

Submetido por taf em Segunda, 2007-02-12 17:53

Quanto ao lamento do Senhor Doutor José Silva, estará no seu inteiro direito de ter a opinião que tem acerca da Associação Comercial do Porto e da sua função de lobbying. Tem também todo o direito de criticar o meu desempenho. Afinal vivemos em democracia, e as pessoas estão livres de terem as certezas, de nunca se enganarem e de utilizarem os estilos que pretendem para criticar os outros. Pode ter a certeza que não me sinto nada intimidado, só me insurjo quando vejo o meu nome incorretamente citado, mas sobre isso já tratámos e é um assunto encerrado.

Apenas uma nota: quando fala em lobby profissional, gostaria de dizer que sou presidente da instituição, eleito pelos associados, mas não o faço como profissional, nem sou remunerado. Também não sou político, por isso na bancada só se for de futebol.

O ponto 2 que levanta é mais interessante, convenhamos, e foi por isso que resolvi responder.

A ideia original de aproveitar o canal existente entre Aveiro e Vilar Formoso, o que exigiria um novo troço entre Aveiro e Mangualde e a modernização da restante linha, com alguns túneis e pontes, tinha dois objectivos.

1. Falava-se na altura numa ligação entre Portugal e Espanha em T, ou seja, uma nova linha do Norte em TGV (como agora vai ser construida) e uma única linha transversal que ligasse à rede europeia. Nessa altura o Governo português pretendia construir essa ligação por Castelo Branco / Cáceres. A ideia que a ACP tinha é de que a construção da linha transversal deveria garantir a equidistância de Porto e Lisboa em relação a Madrid, com trajectos de 3 horas.

2. Esse percurso tinha ainda uma vantagem adicional:
Encaixava perfeitamente no desenho do AVE (o TGV Espanhol) que previa que Salamanca estivesse ligado a um Y, que ligaria a Norte a Burgos e Valladolid e daí a Irun e à fronteira francesa, e do lado Sul a Madrid. Ora, de Salamanca a Vlar Formoso a distância é curta, e poderia mesmo ser construída pelos portugueses se fosse caso disso (já agora como aconteceu por ocasião da Salamancada, no Século XIX, sob a égide da ACP). Esta linha, na medida em que ligava ao coração industrial de Espanha e também à Europa era o melhor percurso para mercadorias, e a ACP foi a primeira entidade em Portugal a defender que a nova rede de TGV deveria ser adequada ao transporte de mercadorias.

3. Entretanto, o Governo português viu-se forçado por Espanha a adoptar o desenho da rede em PI. Porquê? Porque havia compromissos de Aznar no sentido de construir uma linha entre Madrid e Badajoz, pelo que Espanha pretendia que a linha Madrid-Lisboa complementasse essa linha espanhola. O Governo português solicitou então a Espanha duas garantias - que Espanha construisse duas ligações adicionais à nossa fronteira:
3.1. Vigo a Tuy - o que permitirá o TGV Porto-Vigo (que liga à rede espanhola) e
3.2. Salamanca a Vilar Formoso (na lógica acima referida).

4. Porque é que o vale do Tâmega não servia?
Nessa altura, (e decidido o PI) em exposição a ACP solicitou ao Ministro Valente de Oliveira que fosse estudada a ligação do Porto a Espanha (Pueblo de Sanábria) através da veiga de Chaves. O Ministro Valente de Oliveira informou que, não havendo ainda estudos de um canal, seria um processo muito demorado, e que não havia condições para exigir que o Governo espanhol ligasse Pueblo de Sanábria a Verin. Pareceu-nos bem, em termos das mercadorias, porque aquelas que são originárias a Norte do Porto poderão ser escoadas por Vigo (que liga ao Noroeste Peninsular) e as que estão situadas a Sul poderão ser escoadas por Aveiro-Salamanca, além de que o percurso Porto-Aveiro (através da linha do Norte) - Salamanca - Madrid é muito mais curto do que pelo Norte. Já agora, não me fale nas ligações actuais a Salamanca... tem ideia quantas horas demoram, por causa do percurso até Mangualde?

5. A ACP passou a exigir então a construção simultânea das ligações Lisboa-Madrid e Porto-Madrid. Infelizmente, sabe-se que a prioridade vai ser dada à primeira destas, porque recolhe maior percentagem de fundos comunitários. Até lá, o Porto estará servido, nas ligações com Espanha, pelo Norte ou... pelo Sul. Por isso, nós temos continuado a insistir na urgência em avançar com a linha até Salamanca, por isso não fizemos força na linha até Vigo, porque é uma forma de distrair os nossos interesses, e é pouco interessante sob o ponto de vista estruturante porque não está previsto (imagine-se...) que passe no aeroporto Francisco Sá Carneiro, que para nós era uma questão prioritária.

6. Finalmente, quanto à linha do Douro:
A ACP defende que esta linha se mantenha, seja modernizada é claro, e defende igualmente a ligação à linha da Beira Alta. O seu potencial turístico é enorme, além de que serve todas as populações da bacia hidrográfica do Douro e pode ser estendida a Espanha. Mas esta deve ser uma linha tradicional e em bitola ibérica. A sua transformação em Alta Velocidade é impossível, pelo seu serpenteado e pelas suas pendentes. Os custos financeiros, mas principalmente ambientais e paisagísticos de uma transformação radical da linha para Alta Velocidade, que não admite curvas nem pendentes, são impensáveis numa região em que a paisagem virá a ser o maior activo. Pior, do lado espanhol não está prevista Alta Velocidade, e esta questão é primordial como tem dito o Governo, e com toda a razão: os espanhóis adiantaram-se enquanto nós estudávamos hipóteses, decidiram a sua rede, e as ligações que podemos utilizar: Vigo (Tuy), Salamanca, Badajoz (Elvas), Huelva (VRSA). É com base nessas ligações que temos de desenvolver a nossa rede.

Claro que tentei aqui simplificar os argumentos, porque há considerações de logística que estão também em causa, e que têm a ver com os portos secos de Salamanca, por exemplo, que necessitam de uma porta atlântica, e que seriam um excelente contributo para os Portos de Leixões e Aveiro.

Espero que, mais do que um esclarecimento, estas questões expliquem as dificuldades que Portugal tem encontrado no desenho da rede do TGV, agravadas è claro pela opção OTA, que continuo a considerar um erro monumental. Mas sobre isso tenho escrito muito, e tenho também lido o Nortugal que felizmente também não desiste e por isso merece todo o meu respeito.

Aproveito para recomendar o site maquinistas.org, onde estão plasmadas muitas da nossas posições e muita da discussão em redor deste tema em que temos paricipado. Rui Rodrigues, que é um dos autores do site, tem sido assessor técnico da nossa Associação em muitos dos nossos estudos sobre o TGV, que têm contado também com o apoio, por exemplo, do Dr. Manuel Moura, que foi presidente da RAVE.