De: Paulo V. Araújo - "Sobre o teatro, os subsídios, e os públicos"

Submetido por taf em Sábado, 2006-10-21 12:36

Costumava ser um espectador regular de teatro. Das raras vezes em que vou a Lisboa ainda tento ver teatro. Costumo não perder as deslocações ao Porto de boas companhias lisboetas como a Cornucópia ou os Artistas Unidos.

Posto isto, recuso completamente que o teatro (ou qualquer outra arte) tenha a missão de "formar públicos", de elevar o nível cultural dos espectadores ou de os doutrinar. O teatro, a literatura, o cinema, a pintura devem valer como entretenimento. Isto não os desvaloriza: o entretenimento (ou a capacidade de subir acima das preocupações imediatas do quotidiano) é uma parte essencial do que é ser humano. O melhor entretenimento é aquele que nos enriquece ensinando-nos algo que desconhecíamos. Mas isso não nos obriga a abdicar do entretenimento sem novidade e sem doutrina, que simplesmente entretenha.

O que não suporto, como espectador, é aquele teatro que abdica de entreter (ou seja, abdica de ser arte) para se dedicar em exclusivo à sua missão doutrinária ou problematizante. Não tenho pachorra para as encenações teatrais em cenários minimalistas com fragmentos deste e daquele autor embrulhados em retalhos de poesia. Não suporto as peças mal traduzidas e mal adaptadas, com actores a soarem a falso. Não estou interessado, no final da peça, em participar em discussões colectivas sobre o significado daquilo a que acabei de assistir.

O teatro no Porto tem todos os vícios adolescentes que apontei no parágrafo anterior. Quer educar e doutrinar, quer ensinar o que é a boa vanguarda, e rejeita a humilde tarefa de entreter. Há muitos que, como eu, já não estão na fase de procurar guias espirituais ("burgueses acomodados" é a descrição justa de gente como nós). Por isso deixei (deixámos) de ver teatro pelas companhias portuenses.

Não há uma relação óbvia entre o que disse e os subsídios. De modo nenhum defendo que eles devam ser cortados, pois também não gostaria que a minha escolha se reduzisse a La Féria (que não frequento). Mas gostava que aparecessem no Porto melhores companhias de teatro, e que o teatro nacional de S. João tivesse melhores espectáculos. Gostava que o teatro em Portugal também problematizasse o que é Portugal hoje, em vez de se contentar com traduções requentadas ou com encenações de clássicos.

Dado o estado comatoso a que chegaram a programação do Rivoli e as companhias de teatro portuenses, vejo com bons olhos que a sala seja alugada a uma companhia privada. Pior do que estamos agora não é possível ficar.

Saudações,
Paulo Araújo